UM ELOGIO À LOUCURA
Pouco depois dos trinta anos, perdera um filho recém-nascido. A dor da perda prolongou-se tempo demais, até que um dos médicos diagnosticou que a coisa já não era mais luto. Ela sofria de outro mal: depressão. Jamais havia pensado nisso. Fora criada numa família onde tristeza e depressão eram coisas de rico ou de quem não tinha o que fazer. Em casos assim, o remédio era bastante simples: nada que um bom tanque, cheio de roupas sujas não resolvesse. Como a mãe costumava repetir, a cabeça parada era oficina do demônio.
Levara um longo tempo para entender que aquilo era, sim, uma doença. Tal compreensão só veio depois de longas pesquisas, livros e folhetos que a psicóloga, que custou a aceitar, lhe passara para ler. Começou a remexer suas lembranças e encontrava momentos de inexplicável e profunda tristeza que não sabia explicar. Chegara a pensar que não era normal, ou, como se diz por aí, louca.
Louca. Então era isso. Era louca sim. Porque desde que se sabia gente conversava com as paredes e os botões. Mas era desta maneira que conseguia entender o que o mundo lhe dizia. Porque ouvia as respostas de suas paredes e botões. Respostas frias, mas vivas, porque carregavam acima de si os ombros do mundo inteiro.
Louca, porque desde que se entendia por gente, falava com as plantas e os animais, única forma de sentir que havia vida além dos seus próprios limites. Louca, porque via que eles lhe sorriam em resposta a suas perguntas.
Era mesmo louca. Porque se recusava a ser adulta, da forma como eram os adultos que conhecia. Parecia louca, porque era esta a única maneira que encontrava de não enlouquecer.
Parecia mesmo louca porque gostava dos loucos, já que eles a aceitavam em seu mundo e não lhe faziam perguntas ou censuras. Porque não falavam em generosidade, mas sua aceitação de si e do outro era a própria generosidade.
Desde que se entendia por gente, conversava consigo mesma e, nesta conversa de uma só feita em duas, percebia uma terceira que apenas observava, analisava atentamente, esquadrinhava e devolvia todos os seus delírios de maneira lógica, que o mundo poderia compreender. Uma terceira que o mundo aceitava.
Mas a verdade, é que desde que se entendia por gente, não conseguia entender nada de gente. Não podia compreender o que era o saudável das pessoas. O que era o normal, para ela, a doença. Com algum esforço, ia conseguindo perdoar sua própria loucura.
Passou a conversar então com os loucos. E lhe fazia bem, porque desde que começou a conversar com loucos, conseguiu entender-se por gente. Porque entre eles as coisas eram exatamente o que eram, sem textos subliminares. Porque só era possível ver lógica na lógica deles.
Aceitava os loucos da maneira como eram. Eles é que eram lógicos, porque viviam num mundo como achavam que devia ser. Não pretendiam modificar o mundo, porque o mundo dos normais simplesmente era algo que não era real.
Sabia que não entendia o mundo, mas tinha que aceitá-lo. Em parte, ainda era normal...
Sabia que perguntava demais. Agora podia entender os que se calavam.