UM ANO SEM LUCIANO


     Um ano se completa hoje sem Luciano Almeida, o Silfo Negro. O jovem poeta do Piauí que nos encantou com a beleza e originalidade dos seus versos banhava-se no balneário do Canaã, no Maranhão, quando a tragédia aconteceu: desapareceu em plena madrugada, levado, quem sabe, por Iemanjá, rainha das águas, fascinada por sua poesia. 

     Doze meses não bastaram para apagar de minha memória a lembrança do poeta amigo. E certamente o tempo não apagará. Lembro o nosso primeiro encontro numa comunidade de haicai, no Orkut. Chamou-me a atenção a sua habilidade como haicaista de estilo próprio e refinado, não raro apimentado com traços de ironia.  Depois o convidei para o Recanto das Letras onde pudemos nos conhecer melhor, mantendo uma relação de admiração e respeito mútuo. Ele me tratava de sensei, ora veja, e para mim ele era o Cianin (costumo usar um diminutivo carinhoso para o nome de pessoas que gosto muito).

     Vez por outra me queixava do que supunha algum hermetismo em sua poesia. Ou mesmo do vanguardismo poético que não raro me fazia patinar na barra do significante/significado. Ele, muito fagueiro, apenas sorria. Parecia saber que estava anos luz à frente... Mas não lhe faltavam complacência e afeto quando comentava os meus textos, como demonstram os comentários transcritos a seguir. O último deles acenava com um encontro no MSN que terminou não acontecendo.

"final meio a um clown de Shakespeare, não, querido sensei? hahahaha... mas melhor: nada de dramas, nada de dramas! eu o saúdo, meu caro! quanto ao msn... podemos combinar um dia de nos falar, sim? abraço forte de quem lhe admira e gosta por demais!
Enviado por Luciano Almeida em 01/02/2009 11:53
para o texto:
PAIXÃO OBSESSIVA (T1415557) 
 
"q saudades, meu querido e bom sensei! muita inspiração em um só momento! hai-ku, hai-kai!
Enviado por Luciano Almeida em 27/01/2009 21:36
para o texto:
HAICAI (T1347439) 
 
"sensei, seu sucesso impulsiona o discípulo a superar o mestre! hahahahaha... grande coração, meu bom amigo!"
Enviado por Luciano Almeida em 16/12/2008 10:54
para o texto:
HAICAI (T1336942) 
 
     Ainda visito o seu site para matar a saudade. Releio os textos com a mesma emoção, buscando novos significados subjacentes. E sempre os encontro. Luciano era um verdadeiro mestre na arte de construir haicais. Fazia belos sonetos também. Seus textos primavam pela transgressão de padrões literários mais ortodoxos. Isso parecia incomodar colegas de viés tradicionalista, tendo sido motivo de pelo menos uma polêmica aqui no Recanto. Apesar da minha tendência mais clássica na composição de haicais e sonetos, isso não me incomodava. Pelo contrário, sempre admirei a sua ousadia e o encorajei a trilhar o caminho do novo. Na verdade, os mais ousados e descomprometidos com regras e padrões é que fazem avançar a arte em todas as latitudes. Não é por outra razão que Luciano Almeida foi um grande poeta, expressão das mais destacadas de sua geração no Piauí.

     Para concluir, transcrevo o acróstico que compus ainda sob o impacto do seu trágico desaparecimento. E logo em seguida, um texto que me foi enviado pelo próprio Luciano, que lança as bases doMovimento do Ecletismo Radical-Diplomático-Artístico,  no seu Piaui.
 
                                    
                                    ACRÓSTICO        
 
S enhor do ar e da poesia, mergulhou em águas profundas
I luminando com o seu brilho a turva madrugada de Canaã.
L evou o melhor de seus versos e imolou-se à deusa das águas
F azendo deboche das elementais criaturas do aqüífero:
O ndinas tolas, incapazes de colorir nuvens e reger os ventos.
 
N ão fora isso, o vate guerreiro ainda aqui estaria
E ntre nós polemizando e nem ai para as convenções.
G raça e honra lhe sejam, querido Cianin, poeta do Piauí!
R esta ao triste “sensei” aguardar o contato combinado...
O meu MSN, não esqueça, estará sempre aberto à sua espera. 
 

 
                                                 x-x-x-x-x-x
 
M.E.R.D.A. - Movimento do Ecletismo Radical-Diplomático-Artístico
 
A que viemos:
 *Transgredir as molduras literárias conhecidas;
*Criar novas molduras, mas sem deixar o livre e/ou mesmo o libertino;
*Extrair das palavras até a última gota sua de signo, significante e significado;
*Sair da mesopotâmica circunferência regional: Rio, verde, cuia, fé(rradura);
*Abraçar outros movimentos e gêneros da Área-Arte;
*Abrir portas, janelas ou brechas a novas correntes e questões filosóficas (ou não);
*Adentrar timidamente na mata (ainda) virgem de um Ubirajara invisível, quase folclórico e em nada carnavalesco – Pelo amor de Deus ou do Diabo ou de Seu Ninguém;
*Transar a "Última flor do Lácio", mas não desconsiderando a Comunicação como o nosso primordial objetivo;
*Lembrar sempre que "merda" é também o nosso conhecido estrume, ao cheiro(-)verde ceva, nossas flores e amores, e é corrente expressão artística;
* "Panela", a nós? É só um instrumento de percussão. Tudo bem não ser muy interessante, aos olhos de alguns, pensarmo-nos cavalgando qual um bando de "valkírias" doidas, distantes... Mas que seja! Amazona ou rendeira ou até camponesa de cantiga de amigo... (Ma)Temáticas repetidas e variadas sempre há: Nós seguimos;
*E é bem sabido: (Quase) Toda flecha tem seu alvo ou direcionamento. A nossa não foge à regra, mas cent(r)a-se o Movimento primordialmente por sobre (ou para) a discussão e (re)produção artística;
*Explicar a razão do "Radical" (advérbio e não adjetivo, para que se realce o "Ecletismo" – Tímido "Ecletismo" lógico), contraponto ao "Diplomático", por sua vez, propositalmente formalíssimo ao "Artístico" e à proposta geral (o nome completo): Ir e vir (a um só tempo), dar (g)alhos em vez de bugalhos, vir com as calças cheinhas de castanha bem quando se for o Leitor aos cajus... Já aos demais toques: "Ruidoso"? Não. Há uma lei contra (e compromete um tantinho assim); "Remediador"? Hunf! Quem vai doente? E afinal, jamais nos quiseram nuestros pais "d'out(r)os"(...); "Redentor"? Ah, pelo amor de Deus; "Raivoso"? Vixe! Muita calma nessa hora, irmãos, e "Revolucionário", então? Nem pensar – À Liberdade, sobretudo...