VISITA NOTURNA

Já era tarde da noite. Prá dizer a verdade, era madrugada. Eu não vi e nem sequer percebi quando ela entrou no quarto. Sorrateiramente, em total silêncio, foi se apossando de um lugar que não era dela. Eu nada pude fazer. Estava por demais entorpecido. No entanto, ela era fascinante! Não consegui despregar os olhos dela. Virei de um lado para outro, tentando ignorá-la..que nada. Ela tomou conta de mim, por inteiro.

De comportamento refinado, permaneceu em silencio para não acordar minha amada, que dormia a meu lado. Que ousada! Confesso que tentei me livrar dela, mas ela insistia em ficar. Mesmo calada, um simples olhar e gesto desta feiticeira, me trazia recordações as quais tentava me livrar. Em minha mente vagavam pensamentos massacrantes de um dia de tormento. Com certeza foi ela que me fez recordar da conta do colégio. Ah...aquele bendito colégio! Quando afinal deixará de levar meu suado dinheirinho? Ou melhor – quando terei novamente meu suado dinheirinho para passar ao colégio? E esse emprego que não aparece? Será que a diretoria daquela empresa se interessou pelo meu currículo? Caprichei tanto! E esse governo que não ata e nem desata? E a Brama vai finalmente se unir à Antártica? O que? O dólar subiu novamente? Tentei contar carneirinhos. Que nada – todos fugiram. Fiquei sem dinheiro e sem carneiros...

Envolto em pensamentos, esqueci-me da misteriosa invasora. Foi quando ela deixou escapar um leve sorriso. Novamente, lá estava eu ligado naquele rosto sorridente. Fiel como sou, tentei ignorar seus lábios carnudos e vermelhos a murmurar pelo meu nome. Tentei rezar e pedir perdão pelos pensamentos que, naquele momento comandavam meu cérebro e...adjacências. Foi quando ela chegou mais perto e cada vez mais perto...e mais perto. Minha forças se esvaeciam cada vez mais. Num gesto desesperador saquei do controle remoto e liguei a TV. Ela não gostou. Fechou a cara, fez biquinho e desiludida, começou a sumir. Tal qual um fantasma evaporou no ar.

O programa da TV era chato! Mudei de canal. O filme era mais chato ainda! Tentei mais uma vez, era uma reprise mais chata que o filme chato do outro canal. De repente...um musical! Que chato! E...que bom! Finalmente poderia adormecer e dizer adeus a essa dona Insônia que toda noite insiste em me visitar. Abençoado os inventores da televisão e dos programas chatos das madrugadas!

Donizete Romon é jornalista e produtor cultural

E-Mail: peteca@petecaeventos.com.br

(publicado em 1999 no jornal Diário do Povo- Campinas/SP)