SEMÂNTICA DE PAI

O pai não é uma imagem racionalizada. Pai é teia de recordações das quais é o próprio fio. Freud diria que o pai habita o superego, cria limites, vigia a consciência; instala-se na cultura como Deus, as leis, o Estado. Para mim, pai é uma teia de recordações das quais é o próprio fio. Um bichinho-da-seda na memória começa a fazer camisas, calças, mantas, cobertas. Inventa casas, ruas, cidades. Transbordamos o pátio com rolos de fios. Quando nos damos conta fizemos boa parte do mundo.

O pai não é um guarda noturno. O pai é um acendedor de velas. Ao sairmos à rua, acende uma vela e vela o seu fogo. Quando a cera se acaba, ou a querosene enxuga o pavio, ele providencia o sustento. O fogo vigiado pelo pai tem características mágicas. Aceso em casa, ilumina nossos passos onde estivermos. Ao regressarmos, neste tempo de luzes elétricas, eis lá as velas acesas dentro do pai. Quer dizer, acabamos por saber que ele mesmo é uma chama inapagável, inabalável.

O pai não está atrasado no tempo. O pai, na verdade, foi morar num tempo não chegado ainda. Um dia lá atracaremos. O ser humano, ao tornar-se pai, toma uma máquina do tempo, parte para o futuro, lá ergue sua casa, esperando os filhos chegarem para pedir conselhos. Quando os filhos chegam no futuro, descobrem que seu pai já partiu para o outro lado do tempo. Então, lhes bate um arrependimento. Se eles soubessem dessa constituição da vida, teriam pedido conselhos agora. Mas agora seu pai é obsoleto. Para os que aprendem a lição, as coisas se resolvem sendo eles mesmos pais no momento em que chegarem ao futuro. Tornam-se pais conselheiros para que aos filhos não escasseiem os rumos. O problema é que, na paternidade, sem saber, tomaram a máquina do tempo e já estão mais à frente. Tudo recomeça.

O pai não é alguém quase sempre errado. Pai sempre está errado. Seu primeiro erro é crer em nossa compreensão. Engana-se. O segundo erro do pai é crer em sua argúcia e convencimento. Ilude-se. Todo pai pensa que seu filho é tão vivido quando ele, sabedor do sentido oculto das coisas.

Pai não é razão. Pai é fogo de velas. Pai é mistério do tempo. Pai é ânsia de explicar e convencer. Daí se deduz: Pai é uma epifania, aparição de ternura e fortaleza circundada por recordações das quais é próprio fio. O que a gente tem de fazer é ficar contemplando, sem perguntar se Freud tinha ou não razão, se Freud teve um pai ou era clone.

Pablo Morenno
Enviado por Pablo Morenno em 06/08/2006
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