A FOTOGRAFIA

A FOTOGRAFIA

FlavioMPinto

Com a visita de um grande amigo de infância a Porto Alegre, e como há muito tempo não o via, Roquinelson decidiu viajar a capital com a patroa e recepcionar o caro amigo e esposa. Aproveitaria também para levar umas fotos antigas e poder identificar algumas personagens.

Radiante e feliz, Glostora que ficara deslumbrada com o Guaíba na última vez que ali estivera na década de 60, era um poço de alegria. Finalmente Róqui a levaria novamente a capital dos gaúchos. Pudera, acostumara-se a ver só o pôr-do-Sol no Batuva!

Bem guardadas na mala de couro iriam as fotos. Numa outra sacola iam os fiambres e doces de Rivera para a viagem.

Mal desceram do Ouro e Prata na rodoviária e se tocaram para abraçar os amigos. Marcaram um churrasco, ninguém é de ferro, e lá as famílias reunidas poderiam desvendar segredos ocultos pela foto antiga. O encontro prometia.

Depois de muita costela, Norteña, por supuesto, e postres Rivelli, confraternizavam, relembravam os velhos tempos.

Lá pelas tantas, Róqui chama Olegário Nelson num canto e mostra as fotos. Ficam entertidos com as lembranças povoadas de situações engraçadas gravadas pela máquina fotográfica. Eram fotos em preto-e-branco, mas nítidas e mostravam a rapaziada bem penteada com os cabelos cheios de Brilhantina, calças boica de sino e garotas cheias de laquê nos penteados. Uma das fotos , a que desejava desvendar, mostrava uma senhora idosa cercada de jovens. Róqui desejava saber se, a senhora que aparecia, era a mãe do Olegário. Recebe a confirmação e neste momento, ante a satisfação sorridente do marido, Glostora estica os olhos até a foto.

- Quando foi essa foto, amorzinho?

- Acho que foi em 72!

- Oh, Róqui, em 72?

- Sim, pelo menos me parece. Que achas, Olegário?

- Não me lembro bem, mas a mãe ainda era viva! Claro.

- Ih, Róqui, quem é essa que estás quase debruçado no cangote dela?

Era uma moça bem no canto no qual aparece Roquinelson como que querendo sair da foto, mas dedicando-lhe amplo sorriso e literalmente fungando no pescoço da moça.

- Ahn, ãhñññ...

- Não te faz de desentendido.

- Nem conheço, tá!

- Não adianta, foi em 72, sim! e já namorávamos!

- Te acalma , Glostora.

- Claro que sim, e aquele blusão não fui eu que te dei de aniversário?

- Ãhñññ.., mas o que houve, Glostora, o matambre da viagem te fez mal ?

- Não desconversa, Róqui! E olha o olhar de apaixonada dela pro teu lado! Parece que tá caidinha.

- Não inventa , Glostora. Tantos anos depois....

- Não tem essa, tu já era meu namorado naquela época, tá.

- Era e daí?

- Confessa, canalha. Então quer dizer que te assanhavas prá aquela Xuxu?

A mulher de Roquinelson não sabia ainda o porque do apelido de Lurdinha e não parava de inquirir.

- Então era assim: sempre saias cedo lá de casa! Pra quê? Sempre ias na casa do Olegário. Agora entendo, seu safado.

Quase 40 anos se passaram, mas Glostora guardava na garganta aquelas saídas intempestivas do seu namorado.

- Mas então era isso: eu te dando presentes e tu te assanhando prá Xuxu, hein?

- Deixa eu explicar..

- Não tem explicação. O olhar dela diz tudo e esse teu jeito no cangote dela também. Será que foi naquele sábado que o pai fez um churrasco prá ti? No dia que a seleção jogava com o Uruguai?

- Mas que memória tens, Glostora?

- Eu guardo tudo, Olegário. E esse cafajeste não me escapa hoje. Agora entendi tudo!

- A coisa vai pegar lá em casa!

Roquinelson não tinha jeito: sempre arranjava uma desculpa de dar uma fugidinha de casa. Era o grupo de torcedores do Grêmio, ora a turma da igreja, a turma do trabalho, a turma do Truco, até do Lyons, sempre tinha uma boa desculpa para sair. Um churrasco aqui, uma reunião ali, um joguinho acolá, era sua vida procurando quebrar a rotina de mais de 30 anos de casado com a mesma mulher que namorava desde guri.

Naquele dia, Glostora , mulher de faca na bota, estava possessa: descobrira que fora traída ainda quando namoravam e com a mais avançadinha das gurias da cidade. Róqui não era um “peixão”, mas dava pro gasto e um bom partido. Sempre quando chegava para férias na cidade, vindo do Colégio Militar, era um deus nos acuda das garotas atrás dele.

- Aquela farda branquinha me encantava.

- Claro dentro estava eu, não é, meu amor?

- Não te faz de engraçadinho. Tua água tá fervendo!

- É, parece que o matambre não caiu bem na comadre, não é Róqui?

Mas não teve jeito: as desculpas e a falta de memória do Róqui não ajudaram.

O que se sabe é que Róqui descobriu quem era a senhora da foto, mas quase perdeu o casamento.