Crônicas da Esquina ( A Festa )

A FESTA

Na festa de Cosme e Damião nossa esquina se transforma numa modestíssima, mas eficiente, Disney tropical, destinada a não menos modesta gente do bairro. As crianças descem o Morro dos Macacos em busca de uma alegria e um saquinho de doces. E eles proliferam como um milagre da multiplicação feito por mãos generosas e solidárias de amigos e mulheres.

Gritos melodiosos de alegria espocam aqui e ali. As crianças menores vêm no colo de mães, pais, avós ou irmãos mais velhos, mas vêm. Pouco importa quem os acolhem desde que a visibilidade da festa esteja assegurada. Filhos e netos dos ilustres freqüentadores do Costa e do Zeca’s misturam-se à farra. É incrível como os olhos infantis não divisam barreiras. Ao contrário, buscam, não as diferenças, mas as identidades. Aos adultos, cabem-lhes servi-las, organizar a fila e cuidar para que elas não caiam devido à correria natural.

Os dois bares fervilham como nos sábados de carnaval ao som dos sambas do EU SOU EU E JACARÉ Ë BICHO D’ÁGUA. As cervejas escasseiam nas geladeiras

Do alto do carro-de-som, nosso timoneiro dá o tom da música que nos embala a todos. E como damos asas às lembranças, corremos com as pernas daqueles pequenos que se lambuzam com suas guloseimas. Nosso capitão de longo-curso diverte-se. Uma felicidade sem preço, alimentada por cada sorriso recebido, lhe sustenta o leme. E vem o mágico. A criançada se agita sentada no asfalto. Os olhos brilham em luzes que recompõem um arco-íris que só a imaginação infantil é capaz de criar. Somente as crianças percebem porque somente elas têm a fina sensibilidade que o peso dos anos, infelizmente, esmaga. E da cartola do mágico, acostumada a coelhos, pombos e lenços de seda, saem sonhos delicados e benditas esperanças que sobem como bolinhas de sabão. E o espetáculo prossegue: amarelinha, pula-pula e touro-mecânico para os maiores.

Nosso anfitrião não cabe em si. Exultante, desliza satisfeito pela esquina. E, dado seu desprendimento, parece mais um naquela multidão.

Do meu canto, eu observo aquela fraternidade de homens, mulheres e crianças comuns. Em silêncio, abasteço-me com a alegria deles. Recolho sorrisos que me sustentam e não me deixam endurecer a alma. E, tirando um hipotético chapéu em saudação, eu aceno ao amigo Zé Mauro que, do alto do carro-de-som, anuncia a última atração. Ele ri porque tudo é mágico nessa hora encantada. Amém.

Aldo Guerra

Vila Isabel, RJ.

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 13/08/2006
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