Adoro língua!

Gosto de e da língua. Com batatas, mas com aroma de caramelo quente também. A primeira me deixa com sono de tanto que como; a segunda, com vontade de ficar acordado a noite inteira para tanto comer. É o impasse da língua. Escolher entre uma e outra quando, no mesmo instante, eu desejo as duas. Mas nos dois casos eu me lambuzo todo. Ambas caem muito bem devidamente apimentadas, e são servidas com aquele " hum, que delícia" de quem vai degustá-las. Uma supre o corpo; a outra, a alma, numa simbiose perfeita.

Gosto de imaginá-las também. Só não as misturo para que o paladar de uma não atrapalhe o paladar da outra. Nesse particular, meu grau de exigência beira à sandice por sua tenacidade. Sou louco por elas, mas entendo os que nem perto chegam delas. Talvez tenham o organismo frágil demais para o vigor que elas exigem.

No trabalho, à hora do almoço, é comum que a primeira me venha como um apelo e sugestão. Sempre descarto a ideia. Só me permito usufruí-la, como também a outra, nos estreitos limites do lar. E não é por frescura ou frívola fidelidade hipócrita. É que língua, seja como for, tem que se saber preparar. Existe a quantidade exata dos temperos e o tempo ideal que lhe aprimora o gosto. E o toque final: carinho na execução da tarefa. A dedicação das mãos no seu preparo exige uma forte pitada de amor.

Com relação às duas línguas há muitas diferenças. A servida com purê regado no molho vermelho, depois de consumida é recolhida à geladeira, pois que senão estraga mormente nos dias muito quentes. A língua que se oferece com aroma de caramelo ao molho de framboeza não estraga nunca. Depois que se sacia, recolhe-se para uma espécie de estufa protegida por uma grade de um branco brilhante que ofusca. Mas quando a fome é tanta e não parece ser satisfeita, a grade se mantém aberta e, ainda assim, a língua não esfria. Ao contrário, parece pegar fogo. E às vezes tanto, que parece ser eu o devorado. Línguas são como lingotes de ouro maciço. Que então venham, línguas que te quero línguas!

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 11/04/2010
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