As lagartas

Naquele tempo havia as lagartas que chegavam com as chuvas. Dizia-se: "as lagartas dos coqueiros", posto que de suas folhas alimentavam-se. Eram gorduchinhas e gostosas de tocá-las. E caíam aos montes no chão fazendo a minha alegria pueril. Admirava-as. Seus movimentos sinuosos, o modo como enrolavam-se em si mesmas, escapando-me entre os dedos e, sobretudo, a textura suave da sua pele marrom. Cobertas com um pelo curto tão macio quanto veludo elas não eram urticantes, mas, antes, frias. Eu , criança, as reunia em rebanhos num curral improvisado que criava com gravetos e pedrinhas lá no fundo do quintal. Ali, no meu fantasioso mundo, eu tinha a nítida sensação que era um fazendeiro feliz.

Dona Laura, minha avó materna, severa e ranzinza, apavorava-se só com a idéia de alguém citar o nome das invertebradas. Verdadeira fobia que eu imaginava um dia poder usar em retaliação a alguma agressão futura. Acho que andava com algumas no bolso do calção, mas, confesso, não sei em que tipo de borboletas elas se transformavam. Lembro-me uma vez de ter enclausurado uma lagarta em uma latinha vazia de Vick Vaporub e de tê-la esquecido em algum lugar da casa. Meu avô Damião, ingênuo, alguns dias depois, achou o sarcófago metálico e abrindo-o, cheirou descuidada e profundamente o seu conteúdo buscando aspirar os vapores do mentol e da cânfora. O velho quase morreu - coitado!- ao inalar a podridão do miasma cadavérico da lagarta, e eu quase levo uma surra daquelas.

Nunca mais as vi, as lagartas da minha infância. Acho que foram extintas, vítimas do uso indiscriminado de agrotóxicos, dos desmatamentos descontrolados e de meninos curiosos e travessos feito eu.

Edmar Claudio
Enviado por Edmar Claudio em 18/08/2006
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