MERENDA (Em especial, para as colegas, Edna Lopes, Conceição Gomes, Isa Piedras, Ednelma e Ângela Gurgel)

Quando eu fazia o Curso Primário não se usava a palavra lanche. Esta não havia descido dos USA para as pobres terras brasileiras. Além de pobres, metidas. Sim, porque professores, cheios de pose e razão, tratavam de expulsar palavras estrangeiras, assim como se coloca ainda o imigrante na direção de sua casa. Esqueciam-se totalmente os ciosos professores de que a nossa língua é européia. É um caso raro de recepção festiva, acalorada e apaixonada de uma imigrante. Coisas do Brasil.

Sei que leitores terei que discutirão este tema, mas antes é bom passar uma vista na História e também sobre estudos importantes de pesquisadores que defendiam e outros que até hoje defendem uma linguagem genuinamente brasileira. Seria, na opinião deles, o tupi-guarani.

Não teimo com esta questão da língua, acredito piamente que o mundo é uma casa onde tantos se desentendem, principalmente pela comunicação. Estou satisfeita com a Língua Portuguesa (vinda de Portugal). Quem gosta de briga, então que brigue. Para mim, todas as línguas são lindas e boas.

Estou escrevendo esta crônica com outro objetivo, narrar momentos inesquecíveis da hora da merenda no Grupo Escolar General Siqueira de Meneses. Tenho parentesco com o general, ex-presidente da província de Sergipe; Ouvi esta informação da minha avó paterna e do meu pai. Estudei a quarta série do Curso Ginasial neste estabelecimento que, à época, gozava de renome. Inclusive era temido pela fama de exigência preparatória ao Exame de Admissão ao Ginásio. Venci as provas, média geral quase 9,0. Quase.

Acredito que a professora Bernadete já foi embora deste mundo de alunos trabalhosos. Era uma mulher alta, de pele clara. O sobrenome dizia da cor de sua pele. Cabelos negros, curtos e levemente ondulados. Tinha pernas grossas e joelhos muito juntos. O tórax era do formato quadrado, ombros largos, quase como um desenho masculino. Usava como fardamento um vestido de azul bem mortinho, estilo chemisier, gola esporte e grandes botões, além de uma faixa de uns 5 centímetros de largura e 2 metros de comprimento que usava ao redor da cintura e terminava em um laçarote. Havia bolsos quadrados na parte correspondente à saia, um de cada lado, onde a mestra costumava colocar as grandes mãos. Em cada busto, um bolso menor para canetas. A professora, voz de timbre forte, falava e também cantava sem parar, sequer na hora da merenda. Não sentia fome.

A hora da merenda era anunciada por um sino ouvido em todo o prédio onde depois funcionou o Atheneu Sergipense e hoje se encontra em reforma. No link abaixo deste texto é possível ver fotos da bela e imponente fachada do antigo Atheneuzinho. Fico muito triste em comparar a beleza da escola pública do passado com a situação incrível de desprezo desta rede de ensino atualmente. Estudar naquele grupo era símbolo de status social e de competência.

Os alunos saíam das salas na maior alegria, mas sob a supervisão da mestra, inclusive havia a divisão desse intervalo por série. Houve tempo em que o recreio das meninas era separado, menino não entrava. Válido também ao contrário.

Havia de todo tipo de brincadeira: “durinho”, pular corda, “manja”, esconde-esconde, amarelinha, queimado, cantigas de roda, etc. As crianças escolhiam à vontade. Mas, o melhor de tudo era a merenda. O cheiro bom e forte vinha dos fundos, da cozinha.

A professora Bernadete fazia a fila e dizia bem alto, gritando mesmo, uma série de recomendações: todos em fila, perfilados, mãos para trás, vagarosamente, em silêncio, vamos rezar, vamos cantar. E todos, cansados da brincadeira, esfomeados, tinham que obedecer ou eram colocados no final da fila. Ela continuava: vamos cantar:

“lá no pântano, lá no pântano, um sapinho queria voar (bis). Quariqui/quaqui/ quaqui/quariquáaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa (bis)”.

Agora vamos aos hinos! Aí é que ela caprichava e dava uma de maestrina, abanando os braços:

OUVIRAM DO IPIRANGA AS MARGENS PLÁCIDAS

DE UM POVO HERÓICO O BRADO RETUMBANTE,

E O SOL DA LIBERDADE, EM RAIOS FÚLGIDOS,

BRILHOU NO CÉU DA PÁTRIA NESSE INSTANTE.

SE O PENHOR DESSA IGUALDADE

CONSEGUIMOS CONQUISTAR COM BRAÇO FORTE,

EM TEU SEIO, Ó LIBERDADE,

DESAFIA O NOSSO PEITO A PRÓPRIA MORTE!

Ó PÁTRIA AMADA,

IDOLATRADA,

SALVE! SALVE!

Hino Nacional, Hino à Bandeira, Hino de Sergipe. E Parabéns pra você, se houvesse algum aniversariante.

A fila movimentava-se. Falou, para trás! Saíam da fila as crianças, cada uma com um enorme copo de leite com chocolate, muito quente, biscoitos e queijo de boa qualidade. Era a superprodução da terra onde ainda nasceria Obama. Soube depois a verdadeira história da merenda escolar brasileira no início de sua distribuição.

Também não vou discutir sobre a qualidade dos alimentos oriundos da América do Norte, se tinham qualidade ou não. O certo é que a professora e os alunos, esses, sim, demonstravam e muitos até hoje demonstram a diferença entre a qualidade da educação daquela época e a de hoje, apesar dos avanços da tecnologia.

****

http://images.google.com.br/images?hl=pt-BR&q=pr%C3%A9dio%20do%20Atheneuzinho%20na%20av%20ivo%20do%20prado%20em%20aracaju&um=1&ie=UTF-8&source=og&sa=N&tab=wi