Para ver meu bem passar

PARA VER MEU BEM PASSAR

“Se esta rua, se esta rua fosse minha,

Eu mandava, eu mandava ladrilhá-la,

Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes,

Só pra ver, só pra ver meu bem passar.”

Mas, acreditem, não foi preciso ladrilhar minha rua com pedrinhas de brilhantes para ver meu bem passar, como diz a cantiga de roda. Eu o via passar pela minha rua todos os dias, altivo, formoso, simpático, sorridente, mesmo sem ela ser calçada com pedrinhas de brilhantes. Bem que, se fosse possível, eu a enfeitaria, sim, com essas brilhantes pedrinhas.

Naquela época a minha rua era calçada com paralelepípedos, e era bonito vê-la do princípio ao fim, toda certinha, com seus passeios cobertos com placas quadriculadas formando um desenho como se fosse um tabuleiro de Damas. Era uma rua reta, comprida, com casas baixas, todas bem conservadas, uma ou outra com estilo mais moderno e seus moradores eram nossos conhecidos do princípio ao final da rua. Cidade do interior é assim, todos se conhecem, ainda mais morando na mesma rua... Nossa casa ficava mais ou menos na metade da rua e da nossa varanda eu via meu bem apontando lá no início e não demorava para ele estar passando em frente à minha casa .

Eu, que já sabia o horário certo que sempre o via passar, ficava à espreita, só para receber do meu bem aquele olhar meigo, carinhoso e ao mesmo tempo vibrante, convidativo,( o flerte daquela época; eu devia ter uns quatorze ou quinze anos) e, mesmo sem trocarmos uma palavra, nos entendíamos muito bem. Ele era magro, alto, cabelos pretos, tez morena, lábios carnudos realçando bem a boca. Seus olhos negros pareciam me dizer o que eu queria ouvir, e os meus, eles sim, pareciam duas pedras de brilhantes reluzindo de alegria e satisfação por encontrar os seus. Eram poucos os minutos em que isso ocorria, mas parecia uma eternidade, tamanha a comunhão de pensamentos que nos unia. Eu estava, nada mais nada menos do que amando... Descobri este sentimento tão puro em mim, porque se um dia, só um dia, eu deixasse de vê-lo, meu coração entristecia e ficava ansioso para que chegasse o amanhã e tudo se repetisse novamente.

Eu me contentava em vê-lo passar defronte à minha casa, mesmo sem trocarmos uma única palavra... Assim foi por muito tempo, até que tivemos coragem de nos encontrarmos e assumirmos um namoro. Foi uma época deliciosa... Nós, aos poucos, íamos nos descobrindo um para o outro e nosso relacionamento se mostrava bem forte. Havia, sem dúvida, um amor puro e sincero entre nós. Compartilhávamos dos mesmos ideais, dos mesmos pensamentos, das mesmas frustrações e das mesmas diversões e nossos amigos nos apoiavam, torciam mesmo por nós. Mas o romance foi interrompido vária vezes; meu bem, de vez em quando, partia para outras aventuras (o ego masculino falava mais alto e precisava se afirmar com o sexo feminino) quebrando assim o nosso idílio. Depois voltávamos às boas. Mas, isso foi me cansando, embora minhas amigas me confirmassem que ele gostava de mim, as suas ações não mais o demonstravam e assim terminamos o nosso romance, depois de uns três anos de juras de amor. Rompemos definitivamente e cada um partiu “pra outra”, como se diz na gíria. Desta vez fui eu quem começou um novo namoro e logo depois estava noiva.

Em 1953 me casei e ele se casou alguns anos mais tarde... Tive dois filhos que são o meu tesouro e ele teve três filhas que também devem ser o seu. Nunca o esqueci; nunca esqueci aquele romance que unia dois corações na ânsia de amar, simplesmente amar. Era, na realidade, o encontro de dois corações que trocavam entre si seus sentimentos de um amor puro e verdadeiro. Foi a época mais feliz da minha vida! Há, se pudéssemos voltar no tempo, com certeza eu agiria de forma diferente e não deixaria esse amor escapar de mim.

Renée Ribeiro de Almeida
Enviado por Renée Ribeiro de Almeida em 23/08/2006
Código do texto: T223031