AS GALINHAS E O ECLIPSE

AS GALINHAS E O ECLIPSE

Maria Teoro Ângelo

Conto conforme ouvi e, por ter ouvido a história ainda menina, tive tempo de sobra para repetir esse fato tão singular, insólito e raro.

Por volta de 1948 houve um eclipse total do sol. Aconteceu logo de manhãzinha e o povo desavisado levou um susto danado. Hoje a televisão avisa com antecedência e as pessoas se preparam para assistir a qualquer evento cósmico com os próprios olhos, quando se permite, ou gravado pelas lentes poderosas dos telescópios. O aviso prévio desmancha a surpresa e diminui a grandeza do fenômeno e ponha grandeza nisso.

Havia nos fundos do quintal da casa de minha avó um imenso galinheiro. Aliás, todas as casas possuíam um, além do pomar, da horta, do cercado de mandioca, da moita de cana, das flores e do porquinho para engorda. As galinhas, quando prenunciavam o último raio de sol se escondendo lá na esquina do firmamento, procuravam abrigo nos poleiros que meu avô construíra e nas árvores que brotavam em cada canto daquele chão.

O instinto de defesa as fazia subir num lugar alto para dormir. Lá em cima ficavam protegidas do agressor em potencial. Quando o primeiro clarão iluminava a terra, elas desciam de seus quartos suspensos e corriam para a liberdade do dia.

O quintal era grande, mas todo cercado por muros altos de tijolos. Um portãozinho era deixado entreaberto e por essa passagem estreita as galinhas passavam uma a uma numa fila organizada e iam para a rua ciscar à vontade. Passavam o dia todo a comer bichinhos e grama e a revolver a terra à procura de algo que pudesse ser ingerido. De vez em quando minha avó levava a mão em forma de concha à boca e gritava: ti, ti, ti. Lançava grãos de milho, sobras de arroz e verduras para ajudar no trato. As galinhas vinham correndo e num minuto devoravam tudo.

Dizem que elas têm um cérebro minúsculo, são bobinhas e comem sem parar, se houver alimento. Preconceito contra elas, donas de carne tão saborosa e fonte de ovos não menos apetitosos. Não têm beleza, têm utilidade. Nascem para morrer cedo.

Hoje moram nas granjas, são produzidas em série para o corte ou para a postura de ovos. E o que é pior: não dormem. As luzes permanentemente acesas se traduzem num eterno dia e o dia foi feito para comer e botar, engordar e morrer.

A ave mais numerosa do planeta, sem risco de extinção, não tem o engenho e a arte de um joão–de-barro ou de um pássaro-alfaiate, que tece o ninho costurando retalhos de capim.

Naquele dia do eclipse, como de costume, assim que clareou elas vieram todas e, passando pelo gargalo da abertura, ganharam a rua, o largo gramado florido e o poder de serem simplesmente galinhas.

Ah! O inesperado aconteceu e a sombra da lua foi escondendo o sol e começou escurecer. Sem entender por que o dia tinha sido tão curto, empreenderam uma corrida louca para o portão de acesso ao lar seguro. Está escrito em suas células: escureceu, poleiro.

Umas sobre as outras, amontoando-se, ensaiando pequenos voos, dando cabeçadas, penas indo pelos ares. Naqueles instantes de intensa agonia foram capazes até de voar. Pequenos voos que lhes salvariam a vida. A força do grupo empurrou o portão e conseguiram entrar.

A escuridão total se fez, o dia virou noite .Minutos depois começou clarear e elas, sem entender por que a noite tinha sido tão breve, desceram e se precipitaram para a rua e ficaram por lá a ciscar, a ciscar, a ciscar...

Quantas vezes nós também pressionados pela noite inesperada que escurece os nossos dias somos capazes de nos superar. Temos rasgos de genialidade que jamais poderíamos supor, somos capazes de inventar, criar alternativas, tirar do nada a nossa salvação.

E, buscando forças que habitualmente não temos, conseguimos passar pelos caminhos estreitos das dificuldades e alcançar o nosso porto seguro. 11/09/2002