BEMVINDO SALLES DE CAMPOS NETO (Saudades)

A menina olhando o movimento da rua e o homem passando pelo outro lado. Sempre sério, semblante pensativo, um tipo bonito, meio parecido com alguns astros do cinema dos anos 50 e 60. Vinha das bandas da Rua Siriri onde visitava parentes. Carregava sempre uma pasta sobre qual conteúdo a menina não imaginava. Caminhava pausadamente. Algumas vezes parecia conversar consigo.

Zezé, o pai da menina, falava sobre aquele homem e dizia de seu valor intelectual. A menina ouvia e guardava a figura em seus olhos e memória. De vez em quando, já mocinha, avistava o simpático homem de cabelos grisalhos conversando em uma roda de amigos na Rua João Pessoa, no centro de Aracaju.

O reencontro se deu na Academia Sergipana de Letras e o homem da calçada agora era visto bem de perto. Na faixa de setenta e alguns anos de idade, mantinha a fisionomia de um pensador. Corado, bem vestido e ao mesmo tempo simples, conservado para a sua idade, Bemvindo Salles de Campos Neto, cadeira número 21 da ASL, vice-presidente desta agremiação cultural e Presidente da Associação Sergipana de Imprensa. Um contador de casos.

Filho do Rio de Janeiro, veio para Aracaju ainda um menino. Ninguém amou a capital do Estado de Sergipe mais que o carioca das sessões da ASL. Quando lhe concediam a palavra, já se sabia, contava com preciosos detalhes histórias de todo o Sergipe. Eram eventos os mais variados , desde o assassinato do médico Carlos Firpo até as narrativas referentes ao império de Lampião e outros “causos” cujos personagens eram anônimos. Sempre tinha algo a acrescentar, pois, era o narrador onisciente e onipresente.

Se por acaso ainda não tinha a concessão da palavra, ele não resistia e aparteava as falas dos colegas dizendo que conheceu fulano, era primo de sicrano, foi colega de beltrano e namorou determinada bela moça da mais tradicional família de Sergipe.

O certo é que, se Bemvindo faltasse à sessão das segundas-feiras, logo os pares sentiam e começavam a perguntar se viajara ou adoecera. A reunião perdia muito sem as intervenções coloridas do jornalista bem humorado e defensor de ideias pelas quais lutou em todas as suas atividades e escrevendo artigos para jornais sergipanos e outras publicações. Um artigo de Bemvindo era um artigo verdadeiramente. Ali, naqueles textos que produziu, há uma riqueza que deve ser preservada e, certamente, o Presidente da Academia Sergipana de Letras, Dr. José Anderson Nascimento, planejará os merecidos cuidados para a conservação da obra se seu companheiro do braço direito.

O acadêmico mais sergipano do que mesmo carioca nos deixa hoje, dia 13 de maio, da abolição da escravatura no Brasil. Ficamos aqui presos à sua lembrança, ao seu sorriso, à sua distinção e inteligência.