Sem pé nem cabeça

Sonhei com uma pantera que tinha os olhos tão tristemente bonitos quanto os olhos mais tristemente bonitos que eu conheço. Eu chamo de pantera o que era, na verdade, um felino qualquer: do tamanho de uma onça, mas pintada de um azul que, se de noite o céu também fosse azul, seria daquele azul.

Eu olhava a pantera nos olhos, e a jogava pela janela, do 11º andar, mas ela não morria. Eu era corajosa: agarrava-a pela boca e a jogava no vento. Ela brincava de cair e de morrer e de voltar, e de novo. Acordei desistida.

Tentei montar palavras, mas as palavras estavam mais anuviadas do que as coisinhas que eu sinto, e que são sufocantemente enormes: de dar dor de tamanho, e aperreiam igual àquelas casquinhas de milho de pipoca no dente, no dente bem de trás, que são impossíveis, e nojentas. E nisso, o tempo sumiu.

E é sempre cedo quando o tempo é muito, e sempre pouco pro tanto de trabalho, e nunca bastante quando não faz acabar nem raiva, nem mágoa, nem amor, nem quando está bom. Às vezes o tempo é lento, tão lento que chego a pensar que estou no nunca: que é quando eu entristeço.

E quando, eu preciso de consolo: que mexam no meu cabelo, que digam que eu triste fico calada e melhor, que eu com cara de choro combino mais com o dengo guardado em mim a sete chaves, que qualquer coisa, mas que não animação: “ânimo!”. Assim, fico me achando com cara de auditório, e entristeço em cima da tristeza do tempo. Eu sou só uma, e é cara de gente que eu tenho, e é de consolo que preciso.

No meu quarto tem um adesivo na janela que pergunta assim: “você abraçou hoje?”. Eu sempre respondo que não, mas que a vida é boa, que o trabalho é muito, e que está bom: no final do dia, sinto cansaço.

Aí dizem que eu sou auto-suficiente... Mas eu não, e tenho provas: quando eu mexo no meu cabelo eu não me sinto consolada, mesmo fazendo de conta que a mão não é minha... São auto-suficientes de mim, aí ficam inventando coisas: desculpadores.

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 26/08/2006
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