Buda e os escândalos ou “eu escrevo pra me salvar”

Nasci um ano depois do suicídio do Getúlio Vargas. Desde lá, minha cabeça vem sendo bombardeada com escândalos, renúncias, roubos, falcatruas, colarinhos brancos, impunidade, maracutaias, desvio de verba, desilusão, enganos, mentiras, sanguessugas, comissões, cinismo, bandidagem, dez por cento, mansões, cretinice, anões, rouba-mas-faz, arrivistas, pés-de-chinelos, barões, “malandros com aparato de malandro oficial”... teve gente até jogando carro no rio Negro (lembram?), uma infinidade de palavras e expressões que vão mudando ao sabor dos ventos ou, mais recente, na criatividade da polícia federal, com os nomes das operações, de matusalém à navalha. Mudam os nomes, mas a lixeira continua crescendo. E se denunciar o ladrão, você ainda acaba na cadeia.

Fico pensando: por que escrevemos, por que este vício, esta obsessão? Serve, ajuda, contribui, adianta alguma coisa? Aí, assisto uma entrevista antiga da Clarice Lispector em que ela diz: “eu escrevo pra me salvar”. Porque no fundo, talvez seja isto mesmo, não mudamos nada.

Gritamos, denunciamos, escrevemos, ficamos indignados, porque é isto que ainda nos resta, a indignação. E tudo continua na mesma. Cada um no seu cantinho. E já não lembramos mais o nome do escândalo do ano passado e o mais novo degustamos com a sobremesa, ouvindo o corrupto do dia defendendo a sua honra, com a cara mais deslavada.

Parafraseando o cantor popular, meus amigos estão no poder e meus heróis morreram assassinados.

Não é um tempo de heróis... Ulisses, Homem-Aranha, Thor, Guevara, não mais os grandes heróis. Meu velho amigo me consola: criar os filhos com dignidade, este é o heroísmo do nosso tempo.

Continuo aqui com os meus botões: será que os filhos deles não sentem vergonha? Vergonha de quê? Ele foram criados nisto, sabem muito bem que ninguém aparece com um audi da noite pro dia, muito menos sem auditoria. Acham que é assim mesmo, usufruem e vivem na arrogância. Mas, e a mulher? Será que não tem vergonha nem fica vermelha vendo o marido cheio de salamaleques pro chefe ou roubando ou saindo de casa algemado. Santa ingenuidade, ela é cúmplice, meu amigo! São quadrilhas, não são famílias.

Será que tudo isto não tem solução? Onde está a saída? Não pergunte por quem os sinos dobram, Hemingway. Eles dobram por ti.

E deixo pra ti o verso da Cecília Meirelles: “a vida, a vida só é possível reinventada”. Esta é a parte que nos cabe deste latifúndio – reinventar a vida.

P.S. E o coitado do Buda, deve estar se retorcendo no nirvana (não aquele, mas o paraíso espiritual, a iluminação). Um ser inferior, não contente com a corrupção, cinicamente, resolve dar o nome à sua “empresa” de Gautama. Quer roubar, roube, mas deixa o pobre do Sidarta Gautama em paz. Até porque o príncipe, largou tudo, palácios, poder, luxo e privilégios, para viver na simplicidade. Deixem o Buda em paz. Pois todos sabemos o que é Karma: tudo que fazemos, de ruim ou de bom, volta.

dori carvalho
Enviado por dori carvalho em 18/05/2010
Código do texto: T2264724
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