Perdi meu cachorro ou o menino, o cachorro e o coração

(agora não vai ajudar, mas acho que vale pelos sentimentos

e pelo que aprendi com esta perda.)

Ao meu filho, Fernando, dedico.

Sempre busquei, neste espaço de diálogo com o leitor, escrever sobre questões coletivas ou, no mínimo, transformar questões pessoais em temas coletivos, defendendo as idéias em que acredito, a cultura e denunciando injustiças, mas hoje peço licença para tratar de um problema particular.

A vida é mesmo surpreendente. Eu que imaginava meu coração endurecido, calejado pelo tempo, os sofrimentos as perdas, desilusões, esperanças mortas, saudades sublimadas, os sonhos roubados na política, no amor, na vida, agora fui pego sem pé de apoio, por uma dessas trapaças da sorte.

Há mais de uma década caí de cabeça, corpo e alma numa paixão, “sem ter cuidado”. Saltei de trampolim, sem saber se havia água. Não bastasse isto, aquela mulher me deu um menino para minha vida, nascido da minha vida e aí caí de amor, jamais imaginado, por este pequeno ser encantador. Eu que dizia tolamente: criança só assada com maça na boca. Os dois amoleceram meu velho coração, cansado de guerra.

Um dia, aparecem com um cachorrinho, um filhote de beagle, lindo, malhado de branco, marrom e preto. Lá vem chateação. Vai sobrar pra mim. Nunca tive interesse em animais, o único bicho que tive, verdadeiramente meu, foi um coelho. Pensava que aqueles que se dedicam demais aos bichos não gostam dos humanos. Sempre achei melhor me dedicar às pessoas, mesmo que seja do meu jeito arrevesado de amar, com minha ternura tortuosa. “Os brutos também amam...”. Novamente caio na armadilha dos sentimentos. Começo a convivência com este bicho e me encanto. É um cachorro brincalhão, desobediente, carinhoso, ingênuo. Ele o menino se parecem, vão pegando o jeito um do outro, unha e carne.

Esta semana acontece a surpresa. Chego em casa e não escuto os latidos sempre aflitos do Chinelo, foi este o nome que o menino escolheu. Simples e divertido. Procuro no quintal e nada. O cachorro sumiu. Tinha se tornado meu companheiro e eu não sabia. Fico espantado com a minha tristeza e um desespero incontrolável. Saio para as ruas numa busca insana e infrutífera. Há dias faço isto. Colo cartazes, distribuo panfletos de casa em casa, pergunto, assovio, peço ajuda para as pessoas, falo em recompensa, recebo solidariedade de alguns vizinhos. Outros me dão pistas, viram em algum lugar. Um menina amiga, salvou-o duas vezes, mas, infelizmente, instinto de caçador, fugiu de novo. Ninguém sabia por onde ele escapava.

Em cada esquina, sempre na esperança que apareça pulando e latindo. Só miragens. Aliás, é um vicio, me perder na vida procurando miragens, que vão se tornando punhais. De vez em quando chego a pedir que “o santo anjo do senhor, zeloso guardador”, oração que meu filho ensinou, proteja o Chinelo. Pedindo que ninguém lhe faça mal. Fico imaginando a expressão de dor na alma do meu menino.

Alguns poderão dizer: ih! O poeta ficou piegas, bobo. “Num tempo em que é quase um crime falar de flores, pois significa silenciar diante de tantas injustiças”, como escreveu o velho Brecht. Tanta criança passando fome, sem teto, sem família e o cara fica chorando por um cachorro. Mas penso que se chorássemos mais e fôssemos mais sensíveis o mundo não seria o que é. Tão duro e injusto. Sofrido e desesperado.

dori carvalho
Enviado por dori carvalho em 20/05/2010
Código do texto: T2268527
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