O CRIME PERFEITO

O CRIME PERFEITO

Maria Teoro Ângelo

Mãe de prole numerosa, uns nove filhos, Ritinha vivia para apanhar do marido. Não bastasse a pobreza, ainda aguentava essa situação. Ele tinha um emprego e até sustentaria a casa, se não gastasse o minguado salário nos bares da periferia para onde ia todas as tardes se fartar de bebida e salgadinhos.

A mulher em casa sem ter o que pôr na panela. Ele chegava de barriga cheia e ia dormir; ela sem poder reclamar porque se o fizesse... Os filhos saíam com um caldeirão e, de porta em porta, pediam restos de comida.

Havia dias, a maioria deles, em que a briga era feia. Bastava um detalhe, um pormenor, e ele surrava a mulher com tanta brutalidade, que só quem viu pode contar. Os olhos azuis de Ritinha ficavam caídos, retratando uma infinita tristeza e os cabelos louros e lisos, enlameados de sangue só faziam avivar a cor de tanto sofrimento. Ela ia suportando.

Frágil, magrinha, indefesa, todos os filhos pequenos, sem ninguém para defendê-la, ela ia suportando. O marido cada vez mais selvagem, mais insensível, mais bruto descontava nela a vidinha medíocre que era obrigado a levar.

No limite do desespero Ritinha foi tecendo um plano para matar o marido. Todos os dias ela ia montando a estratégia do crime e todos os dias ela o matava em seu pensamento.

E ele vivo. Chegando e gritando. Chegando e batendo. Chegando e ficando. E ela sem coragem. O plano ia sendo adiado.

Foi quando ele chegou bêbado, histérico e louco e bateu nela com a enxada. Ela veio correndo pela rua, o sangue escorrendo e ela pedindo socorro.

Naquela noite criou coragem. No dia seguinte mandou os filhos para a casa de parentes, afiou o facão. Esperaria ele chegar, provocaria uma briga. Ele certamente a machucaria. Sem reagir, iria esperar que ele dormisse. Então, sem testemunhas, alegaria legítima defesa e tudo ficaria bem.

À tardinha, quase escurecendo e Ritinha aflita. Ele nunca tinha demorado tanto e ela nunca tinha desejado tanto que ele chegasse. Nada, ele não vinha. Foi quando a polícia bateu à porta. Ritinha tremeu como se tivesse sido descoberta. Acuada, arrependeu-se do que estava por fazer. Não suportaria as consequências. Sofreria menos continuando como estava. Em segundos apagou de sua mente a ideia do crime e abriu a porta.

“ Senhora, seu marido envolveu-se numa briga, foi esfaqueado e está morto.”

Ritinha juntou os filhos, mudou de cidade, pintou o rosto, voltou a sorrir. Arrumou um emprego, os filhos cresceram. Ela se permitiu arranjar um amor, um bom homem que a faz feliz. E até hoje ela carrega consigo o peso de um crime que, de fato, nunca cometeu. 25/07/2000