SOS - ESTAMOS SÓS

Ainda não contei para vocês, mas moro numa ilha. Não uma ilha hollywoodiana, daquelas de areia branquinha e um coqueiro que dá coco, como diz Ary Barroso. Essas ilhas fictícias, feitas de celulóide e milhões de dólares, são exclusividade de pouquíssimos endinheirados ao redor deste mundão de Deus. Moro numa ilha que não é bem uma ilha...apenas o é, tecnicamente: cercada de água por todos os lados (ah, meus tempos de definições simplórias do ginásio), mas separada do continente por apenas alguns metros, cobertos por uma ponte mais antiga que Pero Lopes quando baixou por aqui...talvez ele mesmo tenha trazido esta ponte em suas naus.

Mas o fato de morar numa ilha me faz meio solitário, náufrago de um mundo pós-moderno. Ilhéu por nascimento e vocação, talvez eu sinta sempre a necessidade de um cordão umbilical que me una ao continente-mãe e por isso sempre somos dependentes de um fluxo de nutrientes e riquezas que não podemos realizar. Ilhéu, ilhado, insular.

Na minha ilha (pronome possessivo? quanta petulância!) existe uma outra ilha, essa com canais de profundidades abissais e que, de verdade, isola quem quer que esteja de um lado ou outro. Falo da educação que falta aos ilhéus de Santo Amaro, onde se situa Guarujá, a sede, e Vicente de Carvalho, seu Distrito, e que cada vez mais se tornam amargos, como o nome do santo homenageado e que não faz jus ao poeta que lhe empresta o nome. É um amargor, como uma cica de fruto que não está maduro e que se reflete no rosto das pessoas e, obviamente, no seu dia-a-dia. Nossa língua trava, como quem mastiga um caju meio verde, quando somos interpelados e provados em nosso cotidiano quando se fala de educação.

Educação formal, que traduzindo é: matemática, português, etc e a educação moral, ética, aquela que vem de berço, e que se conquista com a cidadania e com as garantias constitucionais de direitos e deveres. Só que a lei da selva futurista dita que só temos direitos e os deveres ficam pra depois e/ou para os outros.

Observo isto no cotidiano das salas de aula, nas quais os alunos se embotam de seus diretos, estufando seus peitos imberbes, como pombos presos em uma gaiola de aço e concreto. Talvez estejam vitaminados nesse pseudodireito pela tal Lei de Aprovação Automática, variante do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que é um verdadeiro Frankstein criado pelo governo estadual, monstro de papel e burocracia que empurra a criança para a série seguinte; mesmo que esta tenha feito da sua classe anterior a ante-sala do inferno e trazido à tona todos os demônios que Dante e Santo Agostinho citaram em suas obras. Já usei em outro texto a comparação esdrúxula, porém verdadeira, de que se nossos hospitais funcionassem que nem nossas escolas, estariam vazios! Basta o doente terminal, consumido por cânceres e agáivês, no limiar da vida e morte, espirrasse que diríamos: “Está vivo! Pode ir pra casa!”. Perdoem-me as repetições da parábola, mas não consegui evitar...

Uma atitude que causa certa incompreensão desta ilha, aplicando a educação são seus habitantes com seu indefectível meio de transporte. Nem Pequim, nem Havana, mas se um turista desavisado caísse de pára-quedas aqui, talvez pensasse que pousou na terra de Fidel ou de Mao. São centenas, milhares, dezenas de milhares de bicicletas que percorrem as mal-planejadas ruas de parte da ilha, transformando o trânsito num caos pré-Criação. Durante cerca de 80 anos (!) de ocupação humana, vivemos sem nenhum semáforo no centro do Distrito e depois de tantas décadas sem um único sinaleiro, coalharam Vicente de Carvalho com vários deles, um atrás do outro, como uma árvore de Natal permanente.

E o que acontece? Adivinhou! O ciclista mal-educado e mal-intencionado não reconhece as luzes (sofrem todos de daltonismo?) e simplesmente ignoram os postes sinalizadores. Causam os mais diversos tipos de acidentes que são potencializados por pedestres, pilotos e motoristas, também de comportamento duvidoso. No final das contas, somos todos culpados.

Mas o que tem a ver educação com trânsito? Tudo a ver, amigo leitor. Educação tem a ver com trânsito, lixo, favela, desemprego, mendicância, trabalho infantil e um monte de outras coisas que a gente não sabe como nasce, mas vez em quando aparece aí, como um girassol teimoso que nasce do asfalto. Não custa muito colocar nas salas de aula tópicos de educação no trânsito para criar uma consciência coletiva nesta garotada.

Talvez, como Moisés no deserto, que peregrinou por 40 anos, até que aquela geração toda fosse exterminada, impedida de entrar na Terra Prometida, nós precisaríamos esperar toda uma nova geração apta a entrar numa Canaã, de asfalto liso e semáforos respeitados. O que acontece nas ruas é fruto de uma análise unilateral dos direitos e deveres inerentes a todo cidadão e a falta de uma classe governante municipal (executivo e legislativo) que tenha a coragem de baixar uma lei, uma leizinha só, para regularizar este caos. Porém, quem quer ser impopular com uma lei que organize o trânsito, multar ciclistas, apreender seus veículos e perder votos no próximo pleito?

Já faz tempo que o Sting pediu S.O.S. na sua canção “Message in a Bottle”, lá pelos anos oitenta. Eu também levanto minha plaquinha de S.O.S. Não porque queira apenas que salvem minha vida, mas porque sinto que, cada vez mais, estamos jogados ao léu em questão de educação. Cada vez mais ilhéus, mais solitários. Cada vez mais SÓS.

Texto: Marcelo Lopes

Professor de ciências exatas no ensino médio, pós-graduando em Química pela UFLA-MG.

Marcelo Lopes
Enviado por Marcelo Lopes em 07/06/2005
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