MEU PAI

Meu pai era um homem simples, de pouca instrução; só tinha o curso primário incompleto, pois teve que parar de estudar para trabalhar, porém era de uma inteligência fora do comum. Aprendeu mecânica pesada com um engenheiro francês da usina de açúcar e álcool de nossa cidade (Socièté Sucrière de Rio Branco, mais tarde Cia Açucareira Rio-Branquense) onde começou a trabalhar em l917, com 14 anos de idade, só saindo 43 anos mais tarde quando se aposentou em 1970. Era muito dedicado ao seu trabalho, cumpridor de suas obrigações funcionais e dos seus deveres para com a família.

Embora fosse um trabalhador de um ofício pesado, meu pai era um homem calmo, paciente, carinhoso com seus quatro filhos e lhes dava toda a assistência necessária. Para nós, seus filhos, queria dar o melhor, e, para isso, nos matriculou na melhor escola primária que havia em nossa cidade, o Externato Sagrado Coração de Jesus, tão bem dirigido pela professora Dona Zilah Passos.

Era ele um homem que gostava de ler. Assinava naquela época, “O Jornal” do Rio de Janeiro, que nos mantinha a par das notícias do Brasil e do mundo; a revista “Seleções” e também a revista católica “Família Cristâ”; a 1ª nos transmitia conhecimento literário e a 2ª ampliava nosso aprendizado sobre a religião.

Como eu dizia, ele gostava de ler e contou-me certa vez, que quando era menino, teria que fazer uma prova de geografia, cujo tema era o Rio Mississipi e ele não havia estudado.(vejam como naquela época o estudo era mais abrangente) Era um domingo e seu pai o mandara comprar o jornal e, na volta para casa, vinha sempre lendo algum artigo que o interessava, e, naquele dia, deparou com uma manchete que lhe chamou a atenção:”Teatro Flutuante no Mississipi”. Curioso, foi lendo a reportagem até sua casa e assim, parece incrível, ele aprendeu tudo sobre o Mississipi; seus afluentes, sua navegação, seus portos, sua trajetória, as principais cidades que ele banhava,etc...,etc... e pode então fazer uma ótima prova no dia seguinte, talvez melhor do que se tivesse estudado. Quis, com isso, me dizer da importância da leitura em nossa vida.

Fomos crescendo lendo as histórias de Monteiro Lobato, os contos de Andersen, o Almanaque do Tico-Tico ( era um livro grande, que trazia histórias variadas e vários ensinamentos sobre a Língua.); ouvindo música clássica através das Rádio MEC e Rádio Jornal do Brasil (nem sei se ainda existem) e eu e Enê, minha irmã mais velha, ficávamos embevecidas com a harmonia e sonoridade daquelas melodias. Mas tinha também o outro lado, o lado humorístico que ele também gostava. Ouvia sempre o programa do Silvino Neto, do Chico Anísio (começando a fazer humor), e outros programas interessantes, sem falar nos musicais da época como o programa do Francisco Alves o “Rei da Voz “ e outros tantos.

Quando, na cidade, aparecia uma Companhia de Teatro, ele gostava de assistir e se a peça era sem censura, ele nos levava também. Assim foi que assisti Vicente Celestino e sua mulher, Gilda de Abreu, interpretando a peça “O Ébrio” de grande sucesso na época; Rodolfo Mayer com “As Mãos de Eurídice”, magnífica interpretação de um monólogo; o humorista José de Vasconcelos com suas piadas que nos fazia rir e vários cantores famosos daquela época, que se apresentavam pelo interior do país e aí eu conheci Carlos Galhardo que cantava tão bem “Fascinação” e Blecaute, o General da Banda, e que fazia muito sucesso com essa música no carnaval, daí o seu apelido.

Meu pai não nos privava de comparecer às festas da cidade: carnaval, bailes nos clubes, excursões de colégios, cinema, circos e parques que lá se instalavam, mas sempre com aquela recomendação de um bom comportamento, ou não iríamos às próximas festas.

Foi por seu intermédio que travei conhecimento com vários cronistas como Genolino Amado, que escrevia crônicas sobre o cotidiano da cidade carioca,( naquela época a Capital do Brasil, e que já me fascinava), Carlos Heitor Cony iniciando nas páginas do “O Jornal” com suas crônicas mais voltadas para o tema político, e vários outros que sobressaíram começando nas páginas dos jornais. Hoje, vejo o quanto foi importante para mim seguir os seus ensinamentos e as suas opções literárias. Tínhamos em casa uma pequena biblioteca e eu me lembro muito bem de ter lido, com os meus 15 anos, entre outros, o livro “Deus lhe Pague”do imortal Dias Gomes, ainda muito jovem iniciando sua carreira literária e os lindos poemas de Vinícius de Moraes, “A Moreninha” de Joaquim Manoel de Macedo e outros.

Papai gostava de ouvir suas músicas preferidas na velha “radiola”, tocando aqueles discos grossos, pesados, que depois foram substituídos pelos Long play. Havia um que era o preferido: “Música clássica para quem não gosta de música clássica” com os trechos mais bonitos da Suíte Quebra Nozes, a Dança das Horas, a bela valsa O Cavaleiro das Rosas e outras. Ele assentava na sua cadeira de balanço e ali ficava um longo tempo a escutar o disco e nós aprendemos a respeitar e a amar este estilo de música.

A sua família era formada por 4 irmãos (3 homens e 1 mulher) filhos dos mesmos pais e mais 5 irmãos do 2º casamento de meu avô. Embora ele fosse o 2º filho, todos os irmãos o respeitavam muito; era a ele que todos recorriam para pedir conselhos, participar alguma nova idéia, colocá-lo a par de seus anseios e de suas conquistas. Como era só uma irmã, ele tinha um carinho todo especial com ela e com suas duas sobrinhas Edyr e Maria Thereza ,e isso nos tornou muito unidas.

Meu pai sabia que seus filhos precisavam de mais estudo e não poupou sacrifícios para nos ver formados. Assim foi que não descansou enquanto não nos viu com um diploma na mão e aptos a seguir uma profissão.

Ele era um homem de várias atividades e estava sempre inventando fazer algo diferente para nossa casa. Sabia trabalhar com a madeira e por várias vezes nos surpreendia com alguma novidade. Ora era uma cadeira tipo espreguiçadeira, ora era uma porta destas de vai e vem, que colocou na porta da copa, separando-a da cozinha e era uma alegria para nós, passarmos pra lá e pra cá, só para vermos a porta ir e voltar sozinha – coisas de criança-

Mais tarde, quando me casei e lhe dei o 1º neto, ele se desdobrava em carinho e atenção com o André Luiz. Fazia carrinhos de madeira para ele brincar, balanços; passeava com ele de bicicleta por toda a cidade, era uma alegria que dava gosto de ver. Depois veio o Antônio de Pádua a quem ele tratou com o mesmo carinho, dando-lhe a mesma atenção. Ambos adoravam o vô e, já na juventude, foi com muita tristeza que o viram partir do nosso convívio.

Hoje, passados tantos anos de sua morte, relembro com saudade aquele tempo em que contávamos, eu e meus irmãos, com sua presença em todas as horas de nossas vidas, quer nos ensinando a sermos úteis ou corrigindo nossos erros, quer vibrando com nossas conquistas ou nos consolando diante de alguma derrota, mas sempre nos incentivando a recomeçar, a não desanimar após a 1ª tentativa frustrada.

Sua vida foi um exemplo a ser seguido por nós e assim procuramos fazê-lo, vivendo com honestidade, dignidade e com respeito e amor à família.

Renée Ribeiro de Almeida
Enviado por Renée Ribeiro de Almeida em 30/08/2006
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