Cadê a praça que existiu ali?

Os espaços públicos em geral e as zonas verdes em particular constituem um dos suportes básicos que dão forma uma cidade. São muito mais do que simples espaços de descanso ou divertimento: são lugares que promovem ativamente o contato social, uma vez que beneficiam a convivência entre pessoas de diferentes idades e de diferentes camadas sociais da população. Servem para a prática de esportes como também para as mais diversas manifestações artísticas. Podemos dizer também que estes espaços dão vida a paisagem da cidade, deixando-a mais alegre, mais acolhedora. No que se refere ao meio ambiente, espaços extensos com gramado e canteiros deixam penetrar no solo a água que vem da chuva e torna mais fácil a dispersão dos poluentes e refrescam o ambiente. Quando duradouros, estes espaços têm um incontestável valor inerente, que pode ser percebido quando podemos ver uma árvore de mais de décadas, com toda uma carga simbólica a ela ligada.

Na minha infância, Pará de Minas tinha poucos espaços verdes, menos de meia dúzia. Eram praças arborizadas e floridas, dotadas de bancos e sombra para as pessoas se encontrarem, conversarem e se divertirem. A praça Torquato de Almeida_ de todas, a mais bela_ é a que me traz as maiores lembranças. É como se fizesse parte da certidão de nascimento da minha cidade. Estudei na escola que fica lá, que também é chamada de Torquato de Almeida e desde sempre me encantava com aquela praça. Nunca imaginei que, um dia, a praça pudesse receber sentença de morte. Ela jamais havia feito mal a alguém. Jamais havia cometido algum crime. Quando colocaram aqueles tapumes vermelhos a seu redor, pessoas responsáveis pelos cuidados com a administração, com o patrimônio público, ambiental e histórico do município falaram que a praça seria revitalizada. No dicionário de língua portuguesa, revitalizar quer dizer dar nova vida, revigorar, vitalizar. Nada a ver com devastar, derrubar, arruinar, destruir, desperdiçar, não é mesmo?

Não me imagino como saudosista, até mesmo porque sou grande admiradora e usuária das novas tecnologias que estão surgindo neste mundo. No entanto, um poema antigo de Cecília Meireles e a canção singela “A praça”, do Carlos Imperial, que o Ronnie Von cantava nos anos sessenta, recordando momentos felizes passados em uma praça florida e cheia de pássaros, estão me vindo a lembrança, desde que vi os restos mortais da praça Torquato de Almeida. Dela se foram a sombra, o verde, os pássaros, a alegria........

O poema de Cecília Meireles, uma das mais sensíveis poetas brasileiras, “Leilão de jardim”, faz brotar no leitor a prazer de se ver um jardim florido e habitado por borboletas e pássaros. É uma ode ao contentamento, que surge pelo simples ato de apreciar as coisas mais simples e significativas deste mundo. Pergunto, onde, gente de cidade pode entrar em contato com essas coisas importantes da natureza, ver jardins com flores, borboletas de muitas cores, revoada de passarinhos? Nas praças e parques arborizados, onde a sombra é enfeitada com rasgos de sol, não é mesmo?

Para o leitor, deixo um pedacinho da letra de “A praça”, que os mais jovens nunca ouviram tocar e os não tão jovens já cantaram muitas vezes e também um trecho do poema da Cecília Meireles. Junto a isso, manifesto meus sentimentos de pesar pela devastação que permitiram acontecer na praça mais importante desta cidade. Com os moradores da terra faço o coro: cadê aquela praça que existiu ali?

Hoje eu acordei com saudades de você

Beijei aquela foto que você me ofertou

Sentei naquele banco da pracinha só porque

Foi lá que começou o nosso amor

Senti que os passarinhos todos me reconheceram

E eles entenderam toda minha solidão

Ficaram tão tristonhos e até emudeceram

Aí então eu fiz esta canção

A mesma praça, o mesmo banco

As mesmas flores, o mesmo jardim

Tudo é igual, mas estou triste

Porque não tenho você perto de mim”

(Carlos Imperial/ Ronnie Von)

*****

Quem me compra um jardim com flores?

Borboletas de muitas cores,

lavadeiras e passarinhos,

ovos verdes e azuis nos ninhos?

(Cecília Meireles)

Terezinha Pereira
Enviado por Terezinha Pereira em 07/09/2006
Código do texto: T235105