Meu Homem

MEU HOMEM

Elane Tomich

Meu homem tem mãos firmes e carícias leves quando larga o pente de seus dedos nobres , toque rude em meus cabelos lisos ou encaracolados, cobrindo-me de uma orientalidade, que mal me cabe e bem me quer.

Meu homem tem nos ombros largos, a generosidade inconsciente dos fortes mesmo que me reserve e ao mundo, penas e desmandos do prazer.

Meu homem tem olhos súplices de criança perplexa, diante do meu choro de quem nunca adormece em paz, por praga do destino, indecisão ou herança de sangue.

Meu homem, tem o mandato dos deuses , compromisso com todas as épocas e raças , enquanto eu adormeço no seu ombro, carne macia e cálida, suor que estanca minha angústia de vazio de fêmea

Meu homem tem a atitude do sábio que acalanta o que presume não entender, mas bem que poderia, ser o que entendo...E que o futuro nos reserve...Amém!

Meu homem é rude como um caçador, no escuro mistério do meu continente trópico em que se perdendo na amplidão do corpo feminino, penetra mata tropical.

Meu homem é afinado como o uivo do leão, desbravador cego de dor em busca de saciedade. Mas consegue manter a atitude do pai que acalanta o que não entende, mas bem que queria, o que não sabemos dizer.

Meu homem adormece no meu colo, vão dos peitos, como filho amamentado que sai de mim e espaira a doutrina da terra fertilizável antes do fruto, nutriente da semente.

Meu homem passeia os lábios sobre o bico dos meus seios, preparando o leite dos filhos do homem para me sonhar mulher, para me deter.

Meu homem adormece no meu seio, largado e alado como mártir consolado. Seus olhos são profundos, não me importa se de negrume ou mar, seus olhos me iludem, porque assim quero e assim deve ser...

Seu olhar resiste ao medo do segredo que quero lhe contar. O segredo que ele quer conhecer, mas não pode.

Meu homem faz-me sentir a intensidade de se viver para hoje, porque enche o presente de sonhos do amanhã.

Faz da minha vida história de espécie e gênero , tesouro de memórias atávicas. Cheiro, lua , mato, limo, arrepio, fogo, cachoeiras e matemática na conta do piscar dos vagalumes

Meu homem tem a plasticidade da argila em mótuo contínuo, processando-se em esculturas titânicas e angélicas na pantomima do sexo, lavoura do amor

Meu homem foge do que quer dizer a mim, sabendo que sei. Mutante quando faz amor, seus olhos são tão brilhantes e ausentes quanto a janela da minha vontade.

Mosaicos de se montar civilidade, meu homem tem seus brinquedos, sérios jogos de pantomima do eterno retorno ao ventre da mulher. Enche meu vazio de pontes e edifícios, matando fontes que me banhavam, para o seu descanso.

Meu homem sacia-se, para que o alimento de mim, esteja em terra fertilizada que gera o fruto do futuro, proliferado em humanidade

Meu homem carrega-me nos braços como se me emprestasse asas de sonhar, para deitar seu peso sobre mim e gozar. E que sua carne, no ápice da glória, esmague meu ser voluntarioso.

Meu homem eriça meus pelos , pele e mamilos para que túrgidos apontem para o horizonte, cama de uma humanidade que busca no branco a composição colorida da paz.

Meu homem confunde azul marinho com preto e veste meias trocadas...sempre!...Mas sabe perceber ao longe todos os matizes da minha boca entreaberta e vermelha, sedenta de beijos. Esse anjo usa camisas azuis porque se parecem com brancas e seus desejos sonâmbulos deixam-se ir na jornada de dor da noite das flores ceifadas.... Ele padece em curtos circuitos.

Meu homem não vê meu olhar perdido nas constelações, mas percebe de pronto, o ponto da lua em que nossos sonhos se encontram.

Meu homem tem a pressa do gozo imediato e nos desencontramos no chuveiro ao acordar, enquanto sinto seu gosto de maçã de feriado.

Meu homem, meu anjo, meu amor, tem por mim um amor marginal ainda que permitido e que será para todo o sempre , nosso bem , nosso mal, nossa vontade de sobreviver no destino do mar de ondas fortes , onde nossa carne vence a braçadas largas, nadando contra o medo no sufoco da sobrevida.

Meu homem adormece cansado em meu colo e eleva-se em sustenido, menino sonhando ser homem.

Elane Tomich

14/04/2002