A LOUCURA DE IVA

A LOUCURA DE IVA

Maria Teoro Ângelo

Todos os dias ela fazia aquele caminho. Vinha pelo começo da alameda dos flamboyants, atravessava-a inteira e depois sumia na primeira esquina. Era pessoa conhecida, frequentava alguma classe na escola, fazia parte daquele mundo de cidade pequena. Só não me lembro de ter ouvido a sua voz.

A figura esguia e morena, os cabelos lisos. A franja a esconder parte do rosto nunca me deixou gravar os detalhes da sua fisionomia. Era assim que eu a via todos os dias, quase à mesma hora vindo de algum lugar num passo ligeiro que ganhava rapidamente as distâncias.

Depois vieram os comentários, as suposições. Iva enlouquecera. A notícia chegou até mim de forma indireta, sem comunicações oficiais. O burburinho tomou conta das rodas de conversa e agitou a pasmaceira de um lugar onde quase nada acontecia.

Não digo que sofri ao saber da loucura de Iva. Veio à minha mente a imagem de alguém de olhos saltados e arregalados, de faca em punho a nos ameaçar, da agressividade descontrolada contida por grades de ferro num quartinho escondido na humilde casa onde devia morar.

Mas não, sua loucura era serena, sem vestígios exteriores. Era dentro dela e tão somente no íntimo de seu ser que ela se manifestava. Mil demônios a atormentar-lhe a alma na luta desigual da loucura contra a razão.

Não houve médico nem diagnóstico. Iva simplesmente enlouquecera. A dúvida contida na questão ser ou não ser para Iva não existia. Ela era! Tida como louca, louca de fato, sem tragédias aparentes que pudessem ter desencadeado o mal, aquela alienação, aquela negação de si mesma, aquela dor tão invisível a todos nós... Iva não teve salvação!

A última vez que a vi foi numa tarde de verão. Os flamboyants floridos sob um céu muito azul que se fizera depois de uma leve chuva jogavam generosamente as flores rubras sobre o chão. Iva apareceu lá longe e veio vindo pelo caminho das flores esmagando-as com os pés descalços e deixando atrás de si um rastro vermelho, como vermelha deve ser a cor da loucura.