Cabeça de Batata

Neste mundo existem excelentes profissionais e profissionais excelentes (convencionei que, embora recebam denominações praticamente iguais, são totalmente diferentes na essência ).

 

Explico:

 

O excelente profissional é aquele cidadão competente naquilo que faz. O profissional excelente é aquele que vai além do quesito competência, somando a sua vivencia profissional desafios que o elevem não só como profissional mas também como ser humano.

 

Contarei aqui a história de um excelente profissional e de um profissional excelente. Roberval era considerado um dos melhores professores de um famoso colégio. Era muito competente no que fazia. Havia nascido para ser professor. Até mesmo a fisionomia e características físicas pareciam moldadas para caracterizar sua profissão. Chegou ao ponto de mandar confeccionar um pince-nez, que, segundo confidenciou aos colegas, lhe davam ares mais intelectuais. Pelas suas hábeis mãos haviam passado advogados, médicos, engenheiros, e uma infinidade de bons profissionais.

 

Claro, também haviam passado alguns casos perdidos, que continuaram suas vidas medíocres por não possuírem o sal que tempera as grandes mentes.

 

Uma dessas criaturas era o Albertinho, um dos piores alunos que já haviam passado pelo professor Roberval. Um caso perdido, sem a menor esperança de trilhar os caminhos abertos para os mais aptos de herdar o canudo universitário.

 

Albertinho não prestava a menor atenção às aulas, vivia distraído, olhando pela janela. Suas notas eram um atentado à intelectualidade, sua letra um garrancho indecifrável, além de não demonstrar a menor habilidade  quanto à retórica, perdendo a linha de raciocínio já ao pronunciar a quarta ou quinta palavra.

 

Um dia, bastante aborrecido pelo desempenho muito ruim de Albertinho, o professor acabou por apelidá-lo de cabeça de batata, além de, a partir de então, ignorá-lo completamente, por conta de sua inaptidão para qualquer atividade intelectual.

 

Sua consciência estava completamente tranquila, pois não gastaria tempo e energia em tentar alimentar uma mente sem fome de conhecimento. Por isso optou por abastecer mentes mais ávidas para receber seus ensinamentos, a perder tempo e saliva com um inepto como o Cabeça de Batata.

 

Deu graças a Deus quando recebeu a notícia de que Albertinho havia mudado de colégio. Creio que até chegou a festejar o fato. Afinal, livara-se de um peso morto, e agora tinha pena do colega que certamente herdaria aquele desmiolado.

 

Passaram os anos - foram mais de dez ou doze - e o professor Roberval agora já não usava mais o inseparável pince-nez, mas carregava um pesado óculos fundo de garrafa, graças à miopia que aumentava a cada ano, e uma cabeleira prateada, em substituição àquela preta dos anos idos.

 

Havia se aposentado, mas sua fama ainda corria pelas salas de aula daquele famoso colégio. Era tanta a consideração que fora convidado para assistir a exposição de outro grande mestre da educação, vindo de Harvard para uma série de palestras.

 

No auditório um homem esperava no púlpito, enquanto os rapazes da manutenção ajeitavam o microfone. Por fim começou a falar, deixando a todos os presentes espantados com seus conhecimentos de física nuclear, física quântica, buracos negros, etc. No entanto, o que chamou a atenção foram as palavras dirigidas ao velho professor Roberval, que estava sentado nas poltronas da frente:

 

- Senhoras e senhores, antes de mais nada gostaria de agradecer ao nobre professor Roberval, sendo que, se não tivesse desistido de mim por considerar-me inepto para seu nível pedagógico, jamais teria possibilitado a minha mudança de colégio, onde tive a oportunidade de conhecer outro grande professor, profissional excelente, que transformou aquele jovem desmiolado, mostrando-lhe os caminhos para que este fosse capaz de chegar ao título de PHD em Física Quântica.

 

E assim, extremamente vermelho e trêmulo, visualizou ao microfone seu antigo aluno, Cabeça de Batata.