APENAS TRINTA ANOS

APENAS TRINTA ANOS

Maria Teoro Ângelo

Segundo as últimas notícias, o cerrado vai desaparecer em trinta anos. Dito assim, soa como uma fatalidade, uma sentença de morte sem apelação, sem chances de reverter tão triste destino. Árvores corajosas essas do cerrado. Tronco rugoso, folhas espessas, sementes embrulhadas em material duro como pedra, outras revestidas de várias camadas de uma espécie de tecido transparente e impermeável e a maioria exagera , jogando por terra toda a esperança de que sua espécie perpetue.

Trabalho em vão. Quem pode contra o fogo colocado propositalmente e que se espalha destruindo tudo e contra a mão do homem que vai derrubando para garantir a si próprio cada vez mais o espaço tomado dos outros seres vivos. Bem que podiam tentar salvar o nosso cerrado. Vigiar o desmatamento, reflorestar áreas, dar algum incentivo para os fazendeiros, fazer valer a lei da preservação nas nascentes, nas margens dos rios.

Parece uma ingenuidade acreditar que o fogo na floresta começa tão somente com um toco de cigarro ou um palito de fósforo lançado da janela do carro em movimento. Quando passo à noite pela estradas, vejo focos de incêndio ao lado da presença humana. Um carro parado a uma certa distância, alguém voltando distraidamente e fogo alastrando. É mais fácil queimar para limpar o terreno, principalmente no estado de Minas onde o capim cresce com um vigor, por todo lado.

Trinta anos e não vamos poder apreciar as flores na primavera, as árvores secas no outono e depois o milagre de vê-las cobertas de folhas. Um ou outro beija-flor, os tucanos inseguros mudando de casa com medo da devastação. As espécies tão familiares, cuja estima recíproca eu consegui parando para tocá-las e observar os ninhos cada vez mais raros do joão-de- barro.

O ciclo da vida que é nascer, crescer, reproduzir, envelhecer e morrer não se cumpre. Muitas árvores morrem ainda crianças, outras não conseguem fazer germinar as sementes, e outras morrem nas garras do fogo, das máquinas ceifadoras da vida vegetal. Com elas vão-se dizimando os animais silvestres que não sobrevivem sem o seu habitat.

Agora com a entrada da primavera, há flores rasteiras espalhando a rama pelo chão. Os insetos fazem a festa sugando o néctar e eu enchendo meus olhos com essas coisas tão bucólicas, tão brejeiras que ninguém me ensinou a amar.

Enquanto o fatídico fim se aproxima, fico esperando que uma ação precisa salve as árvores do cerrado. Salve essa vegetação única no mundo com suas peculiaridades, sua beleza e seus animais. Toda comemoração pelo Dia da Árvore vai soar falsa enquanto não houver medidas de proteção.

Numa estrada por onde sempre passo há uma placa assim: “ Árvore não quer homenagens, quer ser respeitada.” Custa fazer o que elas pedem?

Trago comigo uma semente coberta por finíssimas camadas de resina transparente . Achei interessante porque , quando a vi de perto, achei uma grande coincidência. Ela tem a forma de um coração.

19/09/2006

Lillyangel
Enviado por Lillyangel em 19/09/2006
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