"Um Homem Vitorioso"

O carro parou em frente à agência da Caixa Econômica Federal, dele desceu uma senhora muito elegante e de nariz empinado, e logo depois o motorista manobrou, engatou uma ré, parou em uma vaga próxima ao meu carro e saiu do luxuoso automóvel. Sorridente, cumprimentou-me como se já me conhecesse havia muito tempo. Cumprimentou e disparou a falar:

- Esse pessoal são engraçados mesmo...Só porque eu tenho essa pele um pouco mais escura eles acha que não posso ser dono desse carrão. Vê só...

Dito isso, encarou-me à espera de uma resposta e a recebeu logo:

- Realmente há muita gente preconceituosa nesse mundo.

- Se há...Presconceito é coisa que sempre sofri na pele. É como diz o velho ditado: não sendo branco não pode ser gente.

Tive vontade de rir do “velho ditado” que desconhecia, mas mantive a seriedade.

- E olha que não é o carrão aqui que eu conquistei não. Tô terminando os finalmente de minha casa. Seiscentos metro quadrado de área útil e ainda se dei ao luxo de fazer um canis para minha cachorrada. Crio rotivali. Conhece essa marca de cachorro?

- Já ouvi falar.

- Então, no meu canis eu crio e remonto rotivali pra vender pro Brasil inteiro.

Quase perguntei se os cães chegavam desmontados ao seu “canis”, mas preferi “dar corda” para que ele me contasse mais sobre suas conquistas.

- Olha, moço, não é pra me gabar não, mas nessa minha vida eu já tive e obtive muitas coisas importantes. Meus parente nem acredita quando chego nas casa deles bem vestido e dirigindo esse carango. Eles não apostava nada em mim. Vou lhe amostrar as fotos da minha casa. Deixa eu pegar aqui no porta-luvas.

Entrou no carro, pegou um álbum pequeno e passou a me mostrar uma por uma as fotos de uma belíssima mansão. Espetacular mesmo a luxuosa residência.

Enquanto ele me mostrava as fotos e dava detalhes da construção, tais como preços e dificuldades de execução, a senhora que havia ficado na agência da CEF veio pisando duro, postou-se atrás dele com expressão furiosa, e ficou ouvindo a descrição pormenorizada até que resolveu interrompê-lo:

- Walter, se você já contou a mentirada de hoje, podemos ir embora.

O vitorioso ficou branco com o susto:

- Ah, pois não, madame, pois não. Já estou indo, madame.

Resolvi interferir na conversa só pra me divertir um pouco mais:

- Puxa vida, minha senhora, como é que a senhora fala assim com um homem tão poderoso? Um homem que mora em uma mansão espetacular, cria cães de raça e vende pro país inteiro? É esposa dele?

- Esposa dessa coisa? Sou é a patroa dele e ele é meu motorista particular, mas já está para perder o emprego. Sujeitinho mentiroso demais. Onde eu mando parar ele desce pra contar vantagens pra alguém. Deve ser doença essa mania...Já me disseram que ele contou que fala três idiomas, mas o português o senhor deve ter notado como é.

Ele já estava dentro do carro, a postos, e a senhora ficou mais um tempinho conversando comigo:

- Me causa muito dó essa mania que ele tem, essa invencionice desmesurada, mas fora isso é tão bom motorista e tão boa pessoa que há anos estou pra mandá-lo embora e vou adiando.

Duas ou três semanas depois o carrão parou novamente na frente da agência da CEF, a senhora desceu, o motorista manobrou, parou perto de meu carro, desceu, cumprimentou-me amavelmente e começou a falar:

- Esse pessoal são engraçados mesmo...Só porque tenho a pele um pouco mais escura eles acha que não posso ser dono desse carrão...

Naquela segunda vez eu não segurei o riso e parti pra gozação:

- Já sei o resto da história: você cria rotivalis, tem um canis, mora numa casona de seiscentos metros quadrados e a qualquer hora dessas perde o emprego por causa da mania de contar mentiras. Meu amigo, me desculpe, mas meu ouvido não é pinico. Tenho que lhe pedir licença porque estou muito ocupado à espera de meus clientes.

Desenxabido, sem outra “vítima” em potencial por perto, ele voltou ao carro e ficou curtindo música até a chegada da patroa.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 16/08/2010
Código do texto: T2441625
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