Crônicas da Vida Real...“Seria cômico se não fosse trágico”

Augusta Schimidt

Quem já leu Crônicas da Vida Real vai se lembrar da Mariazinha professora.

Pois é, a pobre ficou doente, do corpo e da alma. Perdeu seu emprego e durante este ano todo ficou sem aulas, sem aluno, sem identidade. Ficou na luta da busca, mas sem resultado. E agora, já na reta final do ano letivo, sem alegria e sem esperanças, contraiu uma doença, difícil de curar, difícil de aceitar. Além da dor e do inchaço ainda teve que pagar um mico pra arrematar com chave de ouro, o ano que não foi nada promissor.

Seria “cômico se não fosse trágico” o que ontem ela viveu. Depois de alguns dias travada, de perna esquerda inchada, muitas dores e impaciência, Mariazinha tomou coragem e saiu atrás de uma providencia. Foi ao Posto de Saúde, perto de sua residência.

Chegando lá teve que responder um questionário para a enfermeira chefe do local, pois não havia agendado a tal consulta fatal.

Depois de querer saber o porquê da emergência a enfermeira finalmente pôs a mão na consciência e mandou Mariazinha se sentar e aguardar.

Quando chegou sua vez, entrou no consultório, devagar e toda torta, afinal ficou ali sentada por uma hora e quarenta e cinco minutos num banco de cimento, o que só fez aumentar o seu tormento.

Pobre Mariazinha, além de professora, pobre... Que mais lhe restava?

Já dentro do consultório, foi recebida assim:

- Olá dona Maria, como vai?

_ Mal doutor, estou travada e com muita dor.

_ Poxa, mas não me parece tão mal assim, pois com toda essa gordura, até me parece muito bem!

Vou agendar com a nutricionista que vai lhe fazer bem, seu mal é de comer muito, tudo que lhe convém. Você precisa é parar, de tomar refrigerantes, cerveja e doces na sobremesa. Escute o meu conselho que se dará muito bem.

_ Mas doutor! Estou aqui com muitas dores!

_ Sua dor é da banha que carrega! Veja seu tamanho incompatível com seu peso, seu problema é o de todo ser obeso.

Nessa altura, Mariazinha com o rosto carregado de ira e vergonha sentiu-se o próprio monstro pré-histórico saído dos livros de história diretamente para a trágica missão de assombrar os médicos da cidade grande.

Abalada a professora ainda tentou argumentar que só estava ali para de suas dores se livrar.

E ele, o médico monstro, não se dando por satisfeito com o verdadeiro estrago que havia feito completou:

_ Não há doença no mundo que provoque tal peso a não ser a comilança, por isso trate de fechar a boca e subir na balança.

Infeliz... mal sabe ele que Mariazinha nunca em sua vida colocou uma gota de refrigerante e cerveja na boca. Ela nunca gostou dessas coisas e certamente ele também não sabe que quem não tem emprego e salário, não tem direito sequer de uma alimentação salutar. Ela que se dê por feliz em poder se alimentar...

E como se não bastasse todo esse entrevero, o malvado encerrou a consulta com um discurso insolente mandando que Mariazinha já que não sabe comer, que aprenda ao menos votar, indo às urnas eleger alguém que sabe como trabalhar.

_ Vote certo, vote bem, eleja o Serra que ao menos ele tem categoria para saber o que lhe faz bem. Tem experiência, sabe o que é bom, tem raízes e vai ajudar a saúde. E você está precisando de alguém que lhe ajude.

Mariazinha se levantou e antes que pudesse sair, o medito acrescentou:

_ Espere que vou pedir uns exames. Quem é gordo porque come muito precisa ver o colesterol então vou fazer o pedido para que não diga que fui negligente.

_ Você fará os exames ou será resistente?

_ Não sei doutor, vou pensar. Afinal não sei se me deixarei espetar, pois talvez nem valha a pena, afinal o senhor já deu a sentença juntamente com a condenação, então de que adianta mais este sermão?

Será que o senhor seria capaz de interpretar o resultado dos exames em questão? Quem acha que a obesidade ataca de um lado só, não pode saber entender um laudo que requer precisão. Ele requer sabedoria e não adivinhação! E conhecedora de sua opinião com certeza terei duvidas quanto a sua avaliação.

E sem mais conversa, Mariazinha se retirou com grande dor no coração, pois não sabia se ria ou chorava diante de tal situação.

Campinas/21/09/06 – 14.20h

Augusta Schimidt
Enviado por Augusta Schimidt em 21/09/2006
Código do texto: T245967
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