A vida era um doce(Lembranças do quintal de minha avó!)

A vida era um doce! Era doce de se viver e doce pra comer! E o bar da Dona Clarice ficava do outro lado da rua da casa da minha avó, no meio da quadra. A dona Clarice era uma mulher clara, estatura mediana e de cabelos brancos repartidos ao meio da cabeça. Era ali que gastavamos quaisqueres centavozinhos obtidos a custa de pequenos favores.

Para ganharmos a gorjeta era relativamente simples. Bastava ficar por ali rodeando os adultos, no aguardo de que algum deles precisasse de um favor para que pudessemos atendê-lo. Esse pequeno gesto de gentileza sempre resultava em uma moedinha que servia para comprar doce no bar da Dona Clarice. Quase sempre o troco de moedas era dado generosamente a quem fosse prestativo nessas horas.

Uma da pessoas que mais contribuia para essa compra de doces era uma amiga da família, uma negra chamada Catita.

A Catita era uma negra alta, lábios grossos e trazia sempre um lenço amarrado na cabeça. Cozinheira de profissão. Seus vestidos, todos eles, iam até abaixo do joelho, atestando seu recato feminino. Nunca a vi com namorados. A casa da Catita fazia fundo com o quintal da minha avó. Sempre ela passava em nossa casa para conversar com minha avó. O bar ficava próximo, porém ela sempre pedia para que uma das crianças fosse até o bar da Dona Clarice comprar um "hollywood". Sim, ela não pedia cigarro, ela pedia "hollywood".

"___Dona Luzia, o Bom (este era meu apelido de criança), pode ir na Dona Clarice comprar um hollywood pra mim?"

Com a aquiesciência da minha avó eu saía disparado em direçao ao bar. Ia e voltava num piscar de olhos. Sempre voltava umas moedinhas de troco. A Catita sempre me dava uma: "___Toma esta moedinha é tua!" Meus olhos brilhavam de felicidade. Em desabalada carreira eu fazia novamente o percurso até o bar para comprar doces.

Os potes de doces ficavam em cima de um balcão antigo feito de vidro e madeira. Eram vários potes de vidros com balas e doces dentro.

Dos doces, das balas e chicletes, lembro-me bem! Os papéis que embalavam os chicletes (goma de mascar) eram de azul desbotado e tinha escrito plic-ploc; as gomas eram de cor verde, azul ou cor-de-rosa.

Tinha uma balinha que a gente comprava e quando mordia, ela tinha uma goma pequena no meio e a gente dizia que ela era chiclete de bala;

A bala mais famosa era a bala sete-belo; esta também era embalada num plastico azul; era rosa e grudava no dente da gente; ela era uma bala tão grudenta que até pra tirar do papel dava trabalho porque ela ficava colada no mesmo. Tinha ainda as balas duras de hortelã, que certamente por causa do nome, vinham embaladas num papelzinho verde e as gostosas balas de coco. As de hortelã, as mães tinham cuidado com as crianças muito pequenas porque este tipo de bala, podia entalar na garganta do bebê e sufocar o pobrezinho.

Os doces tinha o doce-de-leite, a paçoquinha, o doce colorido( metade azul, metade branca), a maria-mole, doce de côco (tinha o branco e o preto, que chamavamos de coco queimado), doce de mamão, o vento-levou (que era rosa e esfarelava todo na boca quando a gente mordia ele), o pé-de-moleque (feito de amendoim e açucar), os pirulitos, os pães doces, as gomas redondas coloridas, o bolachão, doce de abóbora e tantos outros que assanhavam as "lombrigas" da gente.

Dependurado no bar ainda tinha as bolas , carrinhos, espadas e revólveres, todos feitos de plástico. Pra se tomar o mais barato era a tubaína; o preferido, porém mais caro, as cocas pequenas, embaladas em garrafas de vidro.

Em tempos de seleção tinha os famosos envelopes com figurinhas dos craques do escrete brasileiro. O álbum a ser preenchido era ganho gratuitamente na escola. Depois era uma correria só atrás da figurinha "carimbada". Guaraná, balas, chicletes, figurinhas! O bar da dona Clarice era o escorredouro de todas nossas moedinhas!

Era nosso mundo de guloseimas de menino!