Educação: a criança e o caveirão

Em pleno lançamento de "Tropa de Elite 2", um filme que revela o que todos sabem (mas não podem falar no campo da segurança pública), não cheira muito bem o brinquedo que imita o famigerado carro feio "Caveirão" da Polícia Militar do Rio de Janeiro. O blindado preto, em sua versão infantil, de acordo com os jornais mais e menos sensacionalistas (do Extra, In: globo.com - 07/10/2010) já é um sucesso de venda e pode ser encontrado em lojas do subúrbio carioca. Além do carrinho feio o comprador ainda leva dois bonecos fardados como policiais e duas armas de brinquedo. A existência e a venda do produto são interessantes.

Em primeiro, a própria existência desse tipo de blindado no mundo dos vivos já é um paradoxo. Ele materializa a "metáfora" da "guerra de todos contra todos", notadamente aquela que se desenvolve nos bairros mais pobres da cidade, e revela a gigantesca distância da paz que se encontra o discurso da política de segurança pública que enche a boca com a filosofia do policiamento comunitário e das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). À guisa de lembrete, há poucos dias caiu a cúpula de vários batalhões da Polícia Militar no Rio de Janeiro. A mesma polícia responsável pelas UPPs.

Em segundo, a simples comercialização desse tipo de mercadoria já mostra o quanto anda a imagem que boa parte das pessoas tem da segurança pública e da força coercitiva do Estado. As mesmas que, por vezes, reclamam da truculência e da violência desmedida, de uma forma ou de outra, dão força para a cultura da violência e da barbárie em detrimento da cultura da paz tão almejada naquele estado.

Em terceiro, é de causar pavor e ojeriza a iniciativa dos pais que acham bonito (e na "moda") comprar o brinquedinho de guerra civil para a criança. Em pleno século 21, não é possível que as mães e os pais não perceberam que a criança é produtora de cultura, elas forjam significados e símbolos próprios da idade, muitos deles distantes do mundo porco do adulto. A criança é uma criança e jamais deve ser tratada como adulto em miniatura ou adolescente/jovem. Ela é a imagem do que ainda está por vir. Penso mesmo que é o ser no estado de natureza sem nenhum contrato e em plena harmonia e paz. Entregar uma arma de brinquedo a uma criança (ou mesmo a um adolescente) é propiciar sentidos nas ações infantis que - em larga medida - produzem efeitos inesperados e inadequados, raramente, não violentos e criminosos.

Portanto, cabe um apelo: poupem as crianças e os adolescentes das armas de fogo de plástico e de ferro. As crianças, hodiernamente nascidas para comprar, não merecem este "presente". O discurso pode parecer poético e idílico, mas é leviano levar o próprio filho a se interessar pelo fenômeno da "guerra civil", da violência coercitiva e do lado obscuro e silencioso do Estado. Como se não bastasse a mídia histriônica, a qual, longe dos horários adequados mostra descaradamente a crueldade, a criminalidade e a banalidade que se tornou a vida. Criança nasce para estudar e brincar: dê como presente um livro, de plástico ou de pano, mas não um "presente" que lembre morte desnecessária, coerção pura e simples, violência legal e ilegal, brutalidade, selvageria e, tal como revela o filme do jovem diretor José Padilha, corrupção, politicagem, maldade, criminalidade e guerra. Não brinque com armas, nem de brincadeira.

*Fonte: Blog Educação encarcerada: http://nepfhe-educacaoeviolencia.blogspot.com/