CRÔNICA #039 - JOÃO NINGUÉM - MEU SACO DE PANCADA

Quem já se deu ao trabalho de ler meus contos e crônicas, entenderá melhor o que eu descrevo aqui.

Aos 17 anos, cansado da opressão pela timidez, e isolado por opção e comodismo, custava crer que eu era mesmo aquele rapaz, belo, cortês e atraente que muitos diziam eu ser. Minha visita ao espelho se resumia a apenas detectar os meus defeitos físicos, imperceptíveis ou inexistente, mas o mínimo que eu encontrasse, transformava-o no vilão da história e a justificativa para o meu sentimento de baixo autoestima.

Aos 18 anos, estudava em Crato-CE. Dormia na casa dos meus tios. Era muito legal. À tardinha, costumávamos nos sentar na esquina e contávamos casos, piadas e tocávamos violão. Gostava de tocar e cantar minhas canções. Por trás do meu violão e ofuscado pela penumbra do crepúsculo eu me escudava. Era divertido. Mas depois, a opressiva timidez, castigava.

Foi nesse período que desenhei pela primeira vez a minha personagem "João Ninguém (JN)". Tudo o que eu não gostava em mim, jogava sobre o pobre coitado. A feiura que eu achava que tinha, era sobre ele que eu imprimia. Mas também, tudo de bom do meu caráter, emprestei ao JN. De bobo era só a casca. A turma do JN nem ligava para sua feiúra física, pois ninguém o via por fora, pois o seu interior externamente refletia como o sol. JN era altruísta, gostava de ajudar aos outros e o bem estar comum do grupo era a sua prioridade.

O JN fez muito sucesso entre os meus amigos e primos. Jodaísa era sua fã número um. Sem perceber, fazia uma espécie de autoterapia. Ele me ensinou muito sobre como lidar com minhas fraquezas, desafios etc. Aos poucos, ao tentar criar os argumentos para a próxima historinha, ensinando ao JN como resolver seus conflitos, eu estava aprendendo com ele. Difícil era aguentar a pressão da turma querendo ler o próximo episódio. Eu criava os quadrinhos em meu caderno de desenho e eles disputavam a sua vez de ler. O JN ia conquistando a garotada e, não tinha como mais torná-lo o meu saco de pancada. Mas acho mesmo é que ele melhorou e muito a minha autoestima, ao ponto de refletir até mesmo na personagem que, sem que eu percebesse, era meu espelho a refletir o meu interior.

João Ninguém deixou de existir, quando tive que me mudar do Crato. Com ele, parte de meus temores também. Fico a pensar: "Como pode uma simples personagem que criamos ter o poder de transformar alguém assim, tão profundamente"? Creio que suas ideias positivas e construtivas são a resposta. Creio ainda que se fossem ideias obscuras, certamente influenciariam negativamente sobre o meu caráter. Ainda bem que podemos decidir no que pensar, escolher entre o bem e o mal, e fazer o que é certo e edificante.

Deus seja louvado.

=============

CIDA MOURA

AMÉM...

João ninguém...

pode ser alguém...

com quem...

porém...

nos provêm...

não o vintem...

mas um algo além...

ele tem...

e mantém...

a razão dos que o lêem...

(Obrigado CIDA, por tão bela e criativa interação.)

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 17/11/2010
Reeditado em 28/01/2016
Código do texto: T2619925
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.