MEU AVÔ - UM CONTADOR DE ESTÓRIAS

Meu avô morreu aos 84 anos de idade. Seu nome era Honorato Francisco da Silva, casado com Dona Etelvina, nascido e criado no Sítio Chã de Areia. Era um homem analfabeto, porém detentor de uma sabedoria incrível! Pois sabia como ninguém da vida do campo. Conhecia o solo apropriado para cada lavoura; sabia a hora exata de plantar cada grão e de colher cada fruto. Observava a natureza e aprendia com ela. Conhecia bem os sinais de um ano bom de inverno e de um ano seco. Era experimentado a ter fartura e escassez. E apesar de dispor de pouco recurso, de ser um simples sitiante, era honrado e respeitado em toda a região.

Porém a virtude de meu avô que eu mais admirava é que ele sabia contar estórias como ninguém. Sim, meu avô era um grande contador de estórias e nós éramos a sua platéia preferida.

Toda noite sentávamos na calçada de sua casa para ouvi-lo contar as aventuras de Camões e Pedro Malazarte. A noite ficava mais bonita. As estrelas brilhavam mais... As nuvens negras se dissipavam e a lua refletia sobre nós a sua radiante luz de prata.

Naquela época não tínhamos televisão. A energia elétrica ainda não tinha chegado ao Sítio Chã de Areia. Então ficávamos, um amontoado de meninos e meninas, netos e filhos de moradores, sob o alpendre de sua casa, sentados no chão em sua volta, para ouvir atenciosamente mais um capítulo do seu vasto repertório de estórias, causos e adivinhações. E quando ele começava a falar ficávamos de olhos arregalados e de orelhas em pé, encantados com cada palavra que saia de sua boca. Era como se ele se transformasse num capitão de um grande navio e nós fossemos a sua tripulação. Viajávamos com ele por oceanos distantes... Éramos crianças ansiosas por aventuras que despertassem a nossa imaginação e alimentassem os nossos sonhos.

Meu avô era um homem de pequena estatura, mas quando começava a contar estórias era como se ele crescesse! Crescesse tanto que nos envolvia com os seus gestos e suas emoções... Chorávamos quando ele chorava; sorríamos quando ele sorria! Ainda hoje guardo fragmentos de estórias ouvidas da boca de meu avô. Foi ele que, mesmo sem saber, despertou em mim o gosto pela literatura.

Meu pai me falou que meu avô era pra ser um homem muito rico por tanto que trabalhara, e só não foi por causa de sua paixão pelo jogo, pois ele não resistia aos convites dos amigos que vinham lhe buscar para passar a noite nos cassinos de Itabaiana. Meu avô até velhinho ainda mandava um portador fazer aposta no Jogo do Bixo, na venda de Néco Paulo que ficava na Encruzilhada. Talvez sonhasse em conseguir no jogo o que não consegui trabalhando durante décadas na agricultura. Quem sabe pensando em dá uma vida melhor para os seus filhos como herança. Mas a verdade é que o jogo não compensa e tudo não passou de ilusão.

Sinto muita saudade de meu avô... Do seu olhar sereno, chapéu de palha na cabeça, calça arregaçada no meio da canela, pés descalços e uma peixeira pendurada no sinto.

“-Bênça a vô?”... “-Deus te abençoe e te faça feliz!”. Meu avô não era um homem religioso, porém era temente a Deus. Quando ele estava doente para morrer mandou me chamar, queria me ensinar umas palavras, recomendando a sua alma a Deus, para eu dizer na hora em que ele estivesse morrendo. Não me lembro da frase. Lembro-me apenas de várias pessoas visitando-lhe na véspera de seu falecimento. Cedo da noite, o candeeiro aceso na sala, ele sentado em uma rede e todos em sua volta prestando bastante atenção no que ele dizia. E ele contava as suas estórias, nem parecia que estava doente para morrer.

E naquela noite lá estava eu, contemplando o meu avô se despedir da vida. Vi meu avô sorrindo, contando os seus gracejos para os seus amigos que viera lhe fazer, talvez sem saber, a última visita.

Meu avô era um homem forte. Admirável. Se ele morresse naquela hora, sem dúvida alguma, morreria feliz. Pois partiria fazendo o que ele mais gostava de fazer, que era “contar estórias”.

No dia seguinte meu avô morreu e foi sepultado no cemitério de Pilar. Num dia chuvoso, como nos dias que ele mais gostava. A natureza se despediu de meu avô também fazendo a sua homenagem.

Eu nunca me esquecerei da figura marcante de meu avô.