Velórios

Meu pai morreu numa terça-feira gorda, às 13 horas mais ou menos. Naquele tempo não havia salão apropriado, o defunto ficava em casa mesmo. Lá pelas sete, oito horas da noite nossa casa estava cheia de gente. Eram amigas da minha mãe, casais amigos dos meus pais, amigos dos filhos. Um monte de gente que se espalhava pelos quatro cantos: pelos quartos, na cozinha preparando café, tomando outras providências porque a noite ia ser longa. Quando o relógio marcou vinte e três horas, aquele monte de gente desapareceu: tinha baile de carnaval em quase todos os clubes da cidade.

Não é trauma. Mas não vou a velórios: cobraram-me presença, questionando o que faria se estive no lugar de quem perdeu o parente. Tentei explicar mas o questionador, acho, não conseguiu entender. Não é que eu não sinta a morte de quem quer que seja. Compartilho da dor da família, mas como não sei rezar pela alma, fico quieta no meu canto. Choro, sim: pela mãe que perdeu o filho, pela esposa que ficou viúva, pelos filhos que ficaram. Só eu sei a falta que meu pai me fez, mas não foram as presenças no seu velório que me aliviaram a alma.

Recentemente, por coação, decidi ir até o local. Fiquei horrorizada. Era uma sala de bate-papo. Tinha tanta conversa, tanta rodinha contando piada, tanta comadre me chamando (alto) para perguntar da minha família, da cor do meu cabelo, fiquei em dúvida se estava numa feira ou numa sala onde tinha o corpo de alguém que acabara de morrer. O tom de voz dos presentes não abaixava nem era abafada pela música. A conversa ia animada, risadas, um horror. E me perguntam por que não vou a velórios? Tenho respeito pelos mortos. Mesmo achando que morreu, acabou, o momento é de silêncio, de reflexão, cumplicidade com a dor alheia, de compaixão. Por mim, se ninguém for ao meu, que não tema revanche: é melhor o silêncio de poucos que a bagunça de muitos. Se estiver vivendo um momento de dor, que me respeitem: compartilhar é pegar a mão, é dar um abraço, é “estar com” o outro. Que não venham chorar algumas lágrimas e correr para acabar de conversar com quem não vê há muito tempo.

No meu ou no velório daqueles que amo, a música não será pretexto para abafar a conversa fora de propósito, espero. Sugiro que se faça silêncio e que individualmente busquem a resposta da pergunta que orientais fazem durante a oportunidade: “essa pessoa viveu com paixão?” Independente da profundidade da resposta, terá valido a pena a presença de quem quer que seja na solenidade fúnebre.

Lúcia Helena
Enviado por Lúcia Helena em 23/10/2006
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