O ESPETÁCULO DO CRESCIMENTO


     Novembro estava quase terminando, quando voltei à Bahia para um compromisso de família. Aproveitei uma dessas promoções que a concorrência entre as empresas aéreas vêm fazendo à cata de clientes: o trecho de volta custava apenas um real. Vantagem que terminou não se efetivando, muito pelo contrário. Tive necessidade de adiar o retorno a Brasilia e essa atitude me trouxe péssimas consequências. Além de multa, paguei o retorno com a tarifa cheia.  Vi assim escorrer pelo ralo a pretensa economia que o voo promocional ofereceria. Acabei desembolsando muito mais.
     
     Mas não me posso queixar dos "ganhos adicionais" de uma viagem sem conforto, mas até certo ponto divertida.  Voo superlotado. O espaço exíguo entre as poltronas me dava a impressão de estar enlatado como sardinha.  Abro um parentese para conjeturar até onde vai essa prática das companhias aéreas para baratear o custos.  Desse jeito termina verticalizando de vez os assentos, como pretende fazer a  Ryanair, empresa aérea européia. Diz que vai disponibilizar assentos verticais para distâncias mais curtas ao preço de 10,00 reais! Imagine, viajar todo mundo em pé, apenas recostado...

    Mas voltando aos "ganhos adicionais" propiciados pelo desconforto daquela viagem, minha esposa e eu até que nos divertimos com as cenas hilárias que se sucederam até a chegada a Salvador. 

    Viu-se de tudo. A começar por aquela senhora que tinha assento marcado na poltrona do meio e queria por que queria ficar na janela. Quando chegou o dono do lugar ela simplesmente disse que não iria sair porque tinha chegado primeiro. Fiquei com pena do moço que terminou resignado a ocupar a poltrona do meio. Depois percebi que essa atitude talvez não tenha sido mera cortezia, já que a poltrona ao seu lado, no corredor, era ocupada por uma jovem bonita. Tão bonita quanto deslumbrada com a viagem. Essa moça tirou da bolsa o celular e ligava insistentemente para toda a galera de sua agenda:

      -Alô? é fulana? estou ligando para dizer que não vou poder ir ao Park Shopping com você hoje, porque estou indo para Salvador. O avião está saindo daqui a pouco.

     Sentado na fileira contígua, à esquerda,  não aguentava mais ouvir o mesmo papo que se repetia a cada ligação disparada uma após a outra.  

     A farra só terminou quando a voz providencial da comissária anunciou que a partir daquele momento estava proibido o uso de celulares e outros equipamentos eletrônicos. Suspirei aliviado. Não antes de aturar um frenético espocar de flashes que registravam em fotos o grande momento vivido no interior de uma aeronave.

     O avião decolou. Peguei um  Graciliano Ramos (São Bernardo) para ler e mal terminara a primeira página, um reboliço na parte traseira da aeronave.  No alto falante a comissária perguntava se teria algum médico a bordo. Foi aquele alvoroço. Vixe Maria, é o que mais se ouvia. Gente se levantando,  um tititi, danado, todos querendo saber o que estava acontecendo. Soube-se que uma passageira acomodada no fundão estaria passado mal.  A essa altura já estava me preparando para uma emergência. E contabilizava as consequências de um eventual retorno ao aeroporto de Brasília.

     Mas nada de grave aconteceu, ainda bem, e a tranquilidade voltou a reinar. Aparentemente, tudo não passou de um mal-estar provocado pelo nervosismo natural de uma primeira experiência de voo. 
     
     Na sequência pude ler o meu livro sem maiores sobressaltos, ainda que, de vez em quando, um plim-plim insistente de chamadas parecesse dobrar o trabalho dos comissários sempre solícitos. 

     Afora o vozerio alto e algumas gargalhadas de pessoas  que já se sentiam tranquilas e curtindo a sua viagem, tudo correu normalmente até a chegada a Salvador.

     Fim de ano se aproximando, os aeroportos ficam congestionados. A aeronave esperou  na cabeceira da pista por uns 15 a 20 minutos a autorização da torre  para taxear até o local de desembarque. A impaciência tomou conta dos passageiros. Quando o avião finalmente começou a taxear, quase todos se levantaram. Muitos já iam abrindo o compartimento de bagagens, querendo tirar logo os seus pertences, a despeito de os avisos luminosos de apertar cintos e os sonoros para permanecerem em seus lugares. A imagem que me ocorreu foi a da chegada de um ônibus em alguma rodoviária.

     Depois de muito custo a comissária de bordo convenceu os apressadinhos a retornarem aos seus lugares. Para alguns deles essa espera era devida ao pretenso desconhecimento do piloto do caminho de aproximação à estação de passageiros! Bem atrás de mim ouvi esse comentário:

     - Menina, olha só que perigo. O piloto é barbeiro mesmo. Se está perdido aqui na terra sem acertar como chegar ao aeroporto, imagine o risco que passamos lá em cima! 

     Um dia depois, li no jornal uma mensagem postada no twitter de Ronaldo Fenômeno, que chegara também a Salvador, com o time do  Corinthians para jogar com o Vitória. Ele estava inconformado com o atraso de uma hora do seu voo e com o tumulto dos passageiros que deixaram suas poltronas antes mesmo da parada do avião. Foi então que tive a idéia de escrever essa crônica. E quanto ao título, o que tem a ver com o relato?

     Ah, isso fica por conta do meu filho que ao ouvir os desdobramentos dessa aventura, disparou com um sorriso irônico:
     Ih pai, taí o espetáculo do crescimento!*



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* Para os que não se recordam, "espetáculo do crescimento" é uma expressão muitas vezes usada pelo ex-presidente Lula. Ela culmina as expectativas de desenvolvimento econômico, possibilitando a melhoria da distribuição de renda, ascensão e mobilidade social. Isso levou à  explosão do consumo de massas no Brasil nos últimos anos.