Grande Lição

Grande lição

David era um miúdo bem franzino, ele adorava jogar futebol, mas a sua fraca constituição física parecia ser um grande entrave à concretização do seu sonho, vir a ser futebolista. Sempre que os outros miúdos da sua rua organizavam um jogo de futebol entre bairros, ele lá ia tentar a sua sorte, só que invariavelmente lá vinha aquele rapaz que era como que o treinador da equipa da sua rua e lhe dizia:

- Muito bem, vamos lá a ver queem é que tem força para chutar a bola, quem não tiver é melhor ir jogar a outra coisa qualquer, aqui só queremos gente com força.

David sabia que estava, desde logo, traçado o seu destino imediato, ficar de fora da equipa, e o pior era o gozo que o esperava por parte de todos os outros rapazes, por vezes chegava até a duvidar que fossem realmente seus amigos, parecia-lhe que já os estava a ouvir:

“ Cresce e aparece”

Ou ainda pior:

“Vai mas é brincar com as miúdas”

David não os conseguia compreender, até porque havia lá outros miúdos com um corpo mais ou menos como o seu, só que esses eram os meninos bonitos lá da rua e nem o tal treinador nem os outros ousavam fazer-lhes frente, deixavam-se comprar pelas guloseimas que os tais lhes podiam oferecer.

Certo dia foi decidido organizar-se um torneio entre os vários bairros da vila onde David vivia, lá foi tentar, mais uma vez, que lhe dessem hipóteses de integrar a equipa da sua rua, mas nada, nem para suplente.

David retirou-se chorar, perante a indiferença e a zombaria dos outros, nunca iria concretizar o seu sonho de vir a ser futebolista, nem sequer na equipa da sua rua tinha lugar, ia a caminho de casa quando avistou um velho amigo que se tinha mudado para o bairro que era o grande rival da equipa da sua rua:

- Olá David, então como vais? Também fazes parte da equipa?

- Não.

- Não! Não queres ir treinar lá com a gente? Temos falta de jogadores.

David viu ali a sua última oportunidade, disse logo que sim. Combinaram a hora e ele lá se apresentou no monte da cobra, local onde o Santa Sofia, o tal bairro treinava. David ia disposto a dar tudo por tudo, tirou as calças que levava por cima dos calções e dirigiu-se ao treinador da equipa, este mandou-o tirar a camisola e integrar a equipa que jogava de tronco nú.

David começou o treino algo nervoso, mas a pouco e pouco foi-se desinibindo, os companheiros começaram a trocar a bola com ele amiúdes vezes, até numa dada altura do jogo, David recebeu a bola, correu com ela, passou por um jogador da equipa com camisola, por outro, por outro ainda e viu-se sozinho em frente ao guarda-redes, pensou em chutar para tentar o golo mas lembrou-se que mal podia com a bola, decidiu rapidamente, avançou para a baliza, fintou o guarda-redes e …Golo.

O treinador bateu as palmas e mandou interromper o treino, atirou-lhe a camisola e mandou-o trocar de equipa, dizendo:

- Bem, parece que vamos ter de fazer aqui algumas alterações.

Os treinos foranm prosseguindo, até que chegou o dia de David ter de defrontar a equipa da sua rua, quem perdesse seria eliminado do torneio, pois havia muitas equipas inscritas e era preciso fazer uma pré-eliminatória.

Quando o treinador da equipa da rua de David o viu com a camisola do adversário, começou a rir-se a bom som. O jogo começou com David sentado no banco dos suplentes, os minutos passavam e o Santa Sofia dava mostras de não ir facilitar a vida aos seus velhos rivais, ao contrário do que se esperaria, pela tradição dos jogos entre ambos.O intervalo chegou com um enervante, para o Barroca, zero a zero e o reinicio do jogo trouxe consigo David no centro do meio campo do Santa Sofia, passados poucos minutos a bola chega aos pés do jovem, ele controla-a, finta o seu amigo Gregório, surge-lhe no caminho Gabriel, nova finta e toca de ir em frente, surge-lhe outro amigo e nova finta, vai correndo em frente e vai fintando os velhos amigos que lhe surgem pela frente, só já resta um, João Mário, entre ele e o guarda-redes, o tal rapaz que também era o treinador, David sabe que João Mário é um jogador muito duro, que não hesitará em o parar de qualquer maneira, inclusive por meios ilegais, mas também sabe que tem nos pés a grande hipótese de ficar cara a cara com quem sempre o rejeitou, faz uma finta que deixa João Mário completamente fora do lance e arranca em corrida, mesmo com a bola controlada consegue correr mais que o adversário, está frente a frente com Vítor.

Vítor está incrédulo, ele sabia que David não teria força suficiente para chutar a bola para golo, só que também nunca esperaria que o jovem ousasse passar por ele e entrar com a bola dominada pela baliza dentro.

O desespero tomava conta da equipa do Barroca, o tempo estava quase a esgotar-se e eles não conseguiam sequer passar do meio campo do Santa Sofia, onde o jovem David constituía um verdadeiro tampão às pretensões da equipa da sua rua, e esse desespero aumentou, transformando-se em certeza, quando David conseguiu interceptar um passe dos seus adversários e foi por ali fora, passando por um e por outro, e só parou quando, depois de voltar a deixar Vítor deitado no campo, entrou pela baliza dentro, fazendo assim o dois a zero fatal.

David viria a ser considerado o melhor jogador do torneio.

Moral da História

“ Nunca julgues os outros pelo seu aspecto exterior”

Francis Raposo Ferreira

FrancisFerreira
Enviado por FrancisFerreira em 30/01/2011
Código do texto: T2761596