Café Made in Colômbia

Café Made in Colômbia

Estava um pouco confundida se tinha entrado pela rua correta. Não estava acostumada a dirigir por aqueles lados da cidade. Uma companheira de trabalho, uma compatriota carioca, tinha comentado que para aqueles lado de Miami, ficava um verdadeiro lixão de aparelhos eletrônicos. Os norte-americanos, quando desejavam adquirir o último lançamento de seus brinquedinhos eletrônicos passavam por aqueles lados, abriam a porta do carro e despejavam o que para eles tinha se convertido em bugiganga.

Enquanto dirigia seu confortável automóvel, pensava no quanto se sentia a gosto com a vida que levava: bom salário, uma vista maravilhosa e excelente gastronomia. Felicíssima em poder compartilhar seu Box Spring King Size com o senhor solidão, mas encantada em despertar todas as manhãs, acompanhada do senhor independência. Nasceu para o amor sem compromisso, para as caixinhas de preservativos sabor morango, para os banhos de espuma acompanhada de um vinho reserva Chardonnay, e para recostar-se naquele sofá autêntico de couro de vaca: presente de uma paquera do Distrito do Texas.

Finalmente conseguiu avistar onde ficava o lixão. Aproximou-se do local e observou como algumas pessoas discutiam pela posse dos artigos. Cada objeto era uma verdadeira carnada. Aquilo parecia uma luta-livre, todos contra todos. Ela se aproximou de um senhor mexicano, bigodinho tipo Cantinflas, e lhe perguntou com seu espanhol de US$ 25 dólares a hora/aula:

-Usted ha visto alguna radio grabadora por acá?

-Lo siento mucho, señora, no he visto ni nada por el estilo!

-Muchas gracias.

O senhor mexicano não pôde dissimular tamanha surpresa por tal pergunta. Coisa de gente estranha estar procurando por um rádio com toca-fita! Será que aquela mulher não conhecia que o Digital Compact Disc já existe desde a década dos 70?

Não estando completamente convencida em desistir de sua façanha, decidiu meter-se naquela montanha de objetos imprestáveis para tentar encontrar algo que lhe pudesse servir. Depois de muito tempo sujando suas mãos, sua roupa, e movendo objetos de um lado a outro, eis que, escondido atrás de um Plasma 26” avista um pequeno rádio preto com detalhes prateados. Toma-o em suas mãos como se fosse uma relíquia adquirida na feira de antiguidades. Limpa-o com os dedos e abre para se certificar que era mesmo um exemplar de um rádio-gravador.

Yeah! Exclamou fechando o punho das mãos, bem gringa, demonstrando seus quinzes anos em solo norte-americano. Tudo bem sejamos francos. Como boa brasileira, ela bateu as mãos nas coxas e exclamou um bom palavrão.

Tão rápido pôde, saiu dali em direção a seu apartamento. Abriu a porta e jogou aquele sujo objeto encima do sofá malhado de US$ 1.200. Caminhou até a cozinha e começou a preparar um café para celebrar sua vitória. Numa xícara grande, tipo de café-com-leite, encheu de água e adicionou 2 colherinhas bem rasas de café instantâneo. Na etiqueta do frasco dizia: “Made in Colômbia”. Café intenso tal qual como é o povo colombiano. Caminhou até o quarto, abriu a gaveta do guarda-roupa e segurou nas mãos uma fita-cassete, uma fita-cassete, uma fita-cassete.

-Desculpe que eu interrompa, mas, é realmente necessário repetir três vezes a palavra fita-cassete?

-Obvio que sim! Trata-se de uma informação relevante nessa narração! Estamos falando de um objeto de coleção, em processo de absoluta extinção, cujo propósito era escutar música de uma forma diferente ao vinil. Quando a fita cassete ficava enroscada dentro do rádio, era preciso retirá-la com muito cuidado e quando era inevitável que se rasgasse, uma cinta adesiva e uma caneta esferográfica tornavam-se nosso fiéis aliados na reparação! Desculpe-nos por essa interrupção!

Na capa da fita com letra de forma podía-se ler o nome da cantora: Sheena Easton. Com a fita nas mãos, não deixou de esboçar um sorriso de menina, um sorriso travesso, um sorriso de felicidade.

Foi numa tarde, passeando por Sampa, no Parque Ibirapuera, quando ele lhe entregou aquele presente. Ficou todo um domingo escolhendo os temas de seus LPs para serem transpassados para aquela fita. Pelo menos foi o que o rapaz lhe falou talvez com o intuito de valorizar o presente. E supervalorizou mesmo!

Naquele mês de maio, quando subiu naquele avião, sabia que tinha nas mãos uma passagem de ida, e no coração, projetos sem volta. Foi preciso deixar para trás muitas coisas: família, amigos, amores, presentes, roupas, livros, CDs e colocar dentro daquelas malas o justo e o necessário. Mas aquela singela fita-cassete, teve o direito de viajar consigo em vôo de primeira-classe.

Nunca um café colombiano, tomado em xícara de café-com-leite, teve tanto sabor a nostalgia, aroma a saudade e textura Made in Brazil.

Nota: Meus sinceros respeitos a este grande ator mexicano, Fortino Mario Alfonso Moreno Reyes, o Cantinflas.

Nota2: A primeira publicação deste texto continha alguns erros de palavras (vinilo no lugar de vinil ou LP;artículos no lugar de artigos). Estas correções foram gentilmente mencionadas pelo Prof. Leo Ricino, escritor aqui no Recanto.

Millarray
Enviado por Millarray em 17/02/2011
Reeditado em 08/03/2011
Código do texto: T2797812
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