@ponto.com

Eu já fui um sobrenome quatrocentão, reconhecido e bem recebido, as portas se abriam quando eu exibia cheio de orgulho, meu pedigree.

Era bom ser prontamente atendido pelo gerente do banco, pessoalmente, como nos grandes magazines, nos restaurantes, um sobrenome importante era a chave para abrir as portas, garantir status e até um bom lugar numa sala de teatro.

Mas quem reconhece agora esse anel de doutor no meu dedo, quem aceita minha assinatura cuidadosamente delineada, estudada, analisada, se tudo que eu preciso para ser aceito é ser um @ ponto.com, é ter dinheiro de plástico e um ship de identificação? Não preciso de uma carteira com foto 3x4 e nem apresentar minha digital inexpressiva, querem a minha íris, sou rastreado por satélites, monitorado por senhas secretas.

As portas obedecem a minha aproximação, ao calor do meu corpo, uma combinação de botões aquece o meu jantar congelado, se estalar os dedos controlo a luminosidade de cada cômodo da casa. TV, DVD, CD Player, Tv a cabo, com controles remotos de todos os tamanhos e modelos se enfileram sobre os móveis. Sou despertado pelo meu celular, que também fotografa e manda torpedos, recebe e-mails, músicas e grava meus recados, sem ele fico nu, e por ele sou sequestrado e assaltado.

Marco encontros, viagens, reservo hotéis e faço compras pelo computador, não tenho nome, tenho nicks e logins. Assisto conferências pela webcam, resolvo problemas profissionais pelo skipe e namoro pelo msn.

Saio muito menos, trabalho muito mais, o cineminha agora é no DVD, a pipoca é do microondas.

Sou um humanóide dependente de muitas máquinas, já não sei se eu as monitoro ou elas a mim.

Há quanto tempo não me desconecto?

Há quanto tempo não sei o que é receber uma carta pelo correio, com letras de próprio punho?

Saudades de ver o sol nascer em cima do telhado, de receber flores perfumadas de verdade ao invés de fotos das flores do Himalaia.

Que saudades de receber telefonemas de carinho, de conversas despreocupadas, de risos estrondosos.

Saudades do churrasquinho entre amigos, da roda de samba regada de cerveja.

Saudade do correio elegante, da brincadeira de amigo secreto.

Ah como tenho saudades de me deitar em silêncio a meia luz e ouvir só o som dos pensamentos.

Vontade de voltar a ser só um ser humano de carne e osso, com um nome e uma casa pintadinha de novo e cheirando a lavanda.

Angélica Teresa Faiz Almstadter
Enviado por Angélica Teresa Faiz Almstadter em 07/11/2006
Código do texto: T284922
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