A SÍNDROME DA ENVELHESCÊNCIA



     Quem passou pela segunda década dos "enta" e não  viveu essa crise, que atire a primeira pedra. Por mais que nos julguemos preparadas para viver o provável último terço de vida, o impacto é surpreendente. 

    A questão não é o medo de envelhecer, embora  muitos o sintam. A mim, por exemplo, o que mais confundiu foi saber exatamente a partir de quando me tornei um dos "mais vividos", eufemismo que não me agrada. Ser idoso é ser idoso e pronto, hoje assumo com todas as letras. Mas confesso que a transição me deixou um pouco confuso. Algo semelhante ao  que passa o adolescente quando se sente meio criança meio adulto.

     Cada um reage a seu modo. Alguns fazem tudo para segurar a rolança do tempo, usando de artifícios para rejuvenescer. Mas o tempo é implacável e corrói  disfarces. Outros se aceitam com mais naturalidade.  Entendem que a lei natural do universo é a mesma para os seres vivos que nascem, crescem, envelhecem e morrem. Esses, a despeito de eventuais discriminações e preconceitos, seguem vivendo a plenitude de suas potencialidades físicas e mentais.
      
     Mas eu dizia que o duro da envelhescência é saber mesmo quando a dita cuja nos pega. A experiência me diz que ela sinaliza aos cinquenta e se instala, mesmo, a partir dos sessenta anos.

     Eu me descobri mais velho numa situação muito engraçada. Surpreendeu-me porque a minha barba apesar de meio grisalha, não parecia sinalizar traços de uma pessoa idosa, pelo menos na imaginação. Estava na Boa Viagem, em Recife, quando resolvi pegar uma condução para o centro histórico. Sozinho no ponto, ao primeiro aceno um ônibus parou. Sem muito traquejo no uso de transporte coletivo, subi pela porta dianteira e acomodei-me num dos primeiros assentos. Pedi ao motorista que parasse no ponto mais próximo do meu destino. Ainda perguntei o preço da passagem, ao que ele me respondeu:

    -Por lei, o senhor não paga nada.

     Foi ai que percebi o mico. A catraca ficava na porta traseira e eu, inadvertidamente, subira pelo lado errado. Fui confundido com uma pessoa idosa. Ainda tentei pagar na descida, mas o moço dissera que não precisava, pois era direito meu. Perplexo, não insisti, descendo o mais rápido que pude. Lá no íntimo, indignado com a chocante descoberta.  

    Lembrei-me que um ano antes, a menininha da poltrona à minha frente no avião, fora precussora dessa descoberta. Sem mais nem menos, virou-se para trás, me apontando repetida e pausadamente: vo-vô! vo-vô!  Respondi ao aceno com um sorriso amarelo, dizendo com meus botões: o avô da garota deve ser parecido comigo...

     Hoje nada me faz mais feliz do que ouvir de uma criança essa palavra mágica. Vovô coruja de carteirinha, espero para breve a chegada de Lucas, o meu segundo neto. Mas antes de assumir essa condição passei também por situações nem sempre embaraçosas, admito. Por exemplo, quando precisei renovar o meu passaporte. Naquele tempo não existia agendamento pela internet. Peguei  uma senha altíssima e pensei em sair para fazer outra coisa, enquanto aguardava a minha chamada. Ao solicitar informação sobre o provável tempo de espera, a recepcionista dissera que eu tinha preferência, podendo me dirigir ao primeiro guichê livre.

     Situação semelhante aconteceu quando fui comprar ingresso para uma peça de teatro. Na bilheteria a atendente me perguntou por que eu pedira uma inteira, se tinha direito a meia entrada.

     Dai para frente fui me acostumando às vantagens e deferências, principalmente a mordomia de vagas exclusivas nos estacionamentos. Mas com certeza trocaria esses privilégios por uma regressão etária de duas décadas, como revelei em tom de brincadeira à minha esposa. 

     Brincadeiras à parte, dou graças ao privilégio de ter vivido até aqui com boa saúde. De ter uma família adorável que ajudou a construir a minha história. Arrependimentos?  Tive alguns, mas tão poucos que não vale a pena mencionar, parafraseando versos da canção My Way, eternizada por  Frank Sinatra. Daqui pra frente tudo será lucro desde que a lucidez me acompanhe até o final da chama.