no café de Fernando Pessoa

o vazio imenso...

...e ele ali, especado em memórias dum tempo que foi seu.

a floresta de mesas esperando que a artilharia de pratos, copos e talheres seja usada...

...o embaraço da escolha gulosa do menu diverso e convidativo...

...as lembranças penduradas esperando que os olhos as desvendem...

...o teu olhar absorvendo esse tempo, venturas e desventuras do poeta, interrompido pelo consecutivo "olha p'ra mim" que capto em cada flash...

... dir-se-ía que os relampejares instantaneos de cada foto perpetuam o momento que, fotografado, já pertence ao passado...

...a conversa diluída no tinto alentejano que fantasia e acaricia o baco de todos os paladares...

...o almoço deglutido em mais um guloso bacalhau, olhado de frente pelas lulas que para mim escolhi...

...a conversa amassada na mais completa satisfação pela permuta de ideias e de pensares dispersos na harmonia

de quem canta a mesma canção...

...e ele, o poeta, ali, afixado na parede, depois de tantas tardes trovadas no silêncio da inspiração...

...quantos aparos não desenharam as mais belas palavras e quanta tinta não as tingiu de dor e sofrimento...

...o poeta morreu, mas as palavras, essas renascem em cada livro em que se liberta...

...o almoço no fim, o tempo urge, o sol rompe a vidraça, o adeus apressa-se...

...o martinho da arcada, ali no terreiro do paço, em lisboa, despede-se de nós. o poeta, esse ficou. ele imortaliza os lugares por onde se sentou e os muitos cafés que ali bebericou, enquanto a sua escrita, dolorosamente, sofria...

...e nós, tu e eu, com tantas coisas ditas e tantas outras por dizer, deixamos que o baú do tempo as guarde para novas

memórias...

...o futuro é incerto, mas se estiver por aqui e o reencontro for possível, voltaremos ao passado trilhando caminhos, fazendo sementeira para novas colheitas...

...lembrarei as horas de nós como momentos eternos na rectrospectiva da amizade...

...então, sózinho, olharei a saudade e direi para mim:

-Helena, valeu!

...pelos risos escancarados,

pelos momentos descontraídos!

(...e aqui deixo a promessa de que vou escrever a "tal" peça para os teus amigos de Curitiba!)

lisboa,13 de novembro de 2006

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para Helena Sut,

irmã de desditas,

companheira de ideias,

mulher e mãe de afectos.