Do papel à ação: os desafios da gestão do patrimônio cultural

Em âmbito internacional se discute políticas de preservação ao patrimônio cultural¹, com o intuito de garantir a difusão dos valores culturais produzidos pelas diferentes sociedades humanas ao longo da história. Existem inúmeras considerações legislativas acerca da preservação patrimonial, tanto no Brasil como no exterior. Ao longo do século XX foram produzidas inúmeras cartas patrimoniais, que surgiram como uma necessidade eminente de colaboração internacional entre os países, que de uma forma ou de outra elaborariam diretrizes efetivas acerca da proteção dos bens culturais. Apenas para citar algumas; as Cartas de Atenas de 1931 e 1933, a Carta de Veneza 1964, a Carta do Turismo Cultural 1976, a Carta de Lausanne de 1990, além de inúmeras considerações da ICOMOS (International Council on Monuments and Sites). De mesmo modo, verifica-se um grande aparato legislativo -decretos, leis, portarias e normas - que seria demasiadamente ineficiente citá-los neste espaço, porém sugiro a averiguação dos dados pelo sítio www.iphan.gov.br do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Apesar de existir uma densa produção teórica sobre os conceitos em patrimônio cultural e sua conservação e gestão, como ainda hoje, sofremos com ataques destrutivos as nossas heranças culturais?

Reduzindo nossa escala de análise, o caso da cidade de Torres/RS é um exemplo comum nas cidades do litoral e não deve ser seguido por outras municipalidades. Paulatinamente, nossos bens culturais de valor imaterial, manifestações folclóricas locais de todo tipo, e material, monumentos históricos e arqueológicos, foram sendo dizimados de nossa memória e convívio em prol de interesses econômicos minoritários, alheios aos da comunidade local. O turismo massificado que é praticado e incentivado através da divulgação de nossas praias, está muito longe de valorizar as peculiaridades culturais locais. O resultado de mais de um século de exploração turística acarretou na marginalização da comunidade receptora e de seu legado cultural. As políticas públicas de planejamento turístico voltada para o turismo estrangeiro, basicamente uruguaios e argentinos, com fluxo acentuado a partir da década de 1970, foram nocivas no que tange o patrimônio cultural regional. A voraz especulação imobiliária não prestou atenção no aparato legislativo vigente que priorizasse a gestão do conjunto de bens históricos e culturais da localidade.

Um exemplo latente são os sítios arqueológicos pré-coloniais e históricos que tiveram contato direto com a antropização² do ambiente. Na área urbana foram destruídos, apesar de toda legislação nacional de proteção a estes testemunhos. Teríamos tantas outras referências no histórico de descaso e de efeitos irreversíveis para citar. Mas dentro de um assunto tão amplo, temos que apontar possibilidades de mudanças, um upgrade em como pensar a apropriação crítica dos elementos culturais.

Damos os primeiros passos em um novo milênio e as antigas práticas se desenvolvem em um quadro letárgico, de ações limitadas partindo do poder público municipal. Os avanços nesta área, por mais progressista que pareça, ainda são muito restritos perto dos recursos obtidos e destinados para aplicações efetivas em projetos interdisciplinares que priorizem a valorização do patrimônio público. Neste sentido, um projeto de educação patrimonial continuada, envolvendo a sociedade civil e a comunidade escolar traria resultados palpáveis em um curto espaço de tempo. Com o intuito de revitalizar os lugares de cunho histórico e ambiental e priorizar as necessidades da comunidade local, criando laços que permitam uma reflexão mais objetiva entre identidade, memória e patrimônio. Para dar suporte institucional, a criação de arquivos públicos e museus temáticos – arqueológico, histórico, natural - orientados pelos padrões específicos que exigem o bom desenvolvimento da conduta museológica.

São inúmeros pontos a serem debatidos entre a comunidade, especialistas da área e administração pública, para os encaminhamentos serem organizados num calendário de atividades voltadas para a re-valorização e preservação do patrimônio cultural. Resumindo, são algumas alternativas que possibilitarão a população fixa e flutuante (visitantes e turistas) compreenderem novos paradigmas éticos de se relacionarem com o ambiente litorâneo e com sua própria história.

¹ Como o objetivo deste texto não é discutir as questões etimológicas e históricas conceituais, usaremos um conceito genérico de Patrimônio cultural sendo constituído de bens de valor histórico, natural e artístico que sejam relevantes a nível regional, nacional e universal. Para saber mais consulte um livreto bem didático intitulado “Patrimônio Histórico e Cultural” dos autores Pedro P. Funari e Sandra C. A. Pelegrini, editora Jorge Zahar, 2006.

² um meio físico modificado pela ação humana.

Publicado em www.buscatorres.com.br

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 24/05/2011
Reeditado em 26/05/2011
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