MULHER INGRATA IX: HORA DA ONÇA BEBER ÁGUA
Nenhum combustível é mais poderoso para manter viva uma mulher que já perdeu todo o tesão por qualquer coisa do que a mágoa. E desse combustível, refinado à força de dores remoídas em silêncio diariamente, derivam outros igualmente poderosos: a raiva, a vontade de cobrar dívidas e o prazer quase orgásmico de fazer o outro sofrer. E com um toque de requinte: sofrer e ainda pedir desculpas a quem lhe impinge o sofrimento. Nossa amiguinha Sádica conhece o caminho. E como se a Rainha Madrasta em que se transformou fosse pouco, ela tem amigas com quem contar. Fãs e seguidoras daquele Marquês famoso na literatura. E cheias de idéias para compartilhar. O Diabo que se cuide: o inferno vai ficar quente demais até para ele próprio.
O Diabo, como todos sabem, é o rei da luxúria. Se o assunto é cama, sejam quais forem as variáveis, é com ele mesmo. E o Demo pessoal da nossa amiguinha não é diferente. Como a vidinha andava morna demais para ele, nosso amiguinho de chifres (até aqui só os do Diabo mesmo) vinha atazanando a vida sexual da moça com uma explosão demográfica na cama. Prazer, tesão, só se ele colocasse mais uns quatro na cama com eles. E é lógico, a única comida do banquete era ela. Por mais que ela achasse que não era lá uma moça assim tão desprovida de atrativos, o seu Demo particular parecia só conseguir levantar o pau da barraca e armar o circo se houvesse uma platéia razoável participando do espetáculo. Até aí, segundo ele dizia, eram só uma brincadeira pra esquentar o jogo. Até o dia em que falou sério.
Nossa amiga, Ingrata, Toupeira, Pensante e agora, Sádica, era até uma moça moderna. Achava muito normal ter fantasias, embora ela própria não precisasse delas. Imaginar ...vai. Agora, na real? Ninguém merece! Ofendeu. E feio. Hora da vingança.
O Diabo, de vez em quando, precisava dar seus passeios. E viagens de trabalho são sempre bem vindas para isso. Ela também sabia disso. E estava esperando a próxima viagem. A oportunidade certa. A hora exata. Não esqueçam nunca este clichê, muitíssimo verdadeiro: vingança se saboreia fria, bem fria. Uma semana longe de casa. Nada melhor.
A cada telefonema (o Demo jamais abandona o inferno por completo), nossa discípula de Sade empenhava-se em colocar fogo no estoque de testosterona do rapazinho. Ligações apimentadas, em detalhes. Os detalhes que ela não tinha a menor vontade de pôr em prática. Com ele. Quanto mais se aproximava o dia da volta, mais apimentadas as conversas. Na véspera, a descrição detalhada dos prazeres que o aguardavam. Incluídos aí os detalhes da lingerie a ser usada (você não sabia que o Demo é ligadíssimo nestas coisas? Aprenda...).
Welcome back, Mr Devil. A roupa certa, a cama arrumadinha, a bebida no jeitinho certo. Tudo na mais perfeita ordem. E o Diabo, feliz da vida com seu inferninho preparado. Nossa Rainha Má se esmera nos carinhos, nos toques e tudo que ela conhece perfeitamente. Tempo quente, o Diabo mais ainda. “Hora da diversão”, pensa ele. Só não sabia que ela estava pensando o mesmo...
O moço está no ponto...de explodir. Agora vai...vai mesmo. E na hora do “vai mesmo” ela senta e desaba em prantos a madrugada inteira, relembrando em detalhes as últimas dores que ele lhe deu.
O Diabo tem um ponto fraco: a culpa e as lágrimas da parceira. E o pau da barraca, que estava todo armadinho, desaba estrondosamente. E tudo que ele consegue é passar o resto da noite tentando se desculpar por suas diabruras, tentando estancar o rio de lágrimas que não cessa de jeito nenhum. Foi-se a noite de prazeres inimagináveis. E começa a temporada de seca. Pra ele. Porque agora, a onça vai beber água...