Crônicas da Esquina ( Rio Triste )

RIO TRISTE

O Rio amanheceu como o mar em dia de ressaca. Agonizante, era mais caótico que uma New York sem Robocop. As cenas que se viam eram mais contundentes que aqueles sets hollywoodianos para subdesenvolvido ver, pois tinham a crueza que a realidade impõe. Além dos tiros de efeito imoral, cordões prenunciantes de sombrio carnaval invadiam as calçadas em turbulência. Os trauseuntes dançavam um samba desengonçado à cata de bolsas, carteiras e celulares subtraídos a puxões e bordoadas. E como naquela algaravia de ponta de estoque em liquidação, joio e trigo eram tão siameses como o Waldomiro e o Cachoeira, a polícia, chamada às pressas, estava mais tonta que cachorro caído do caminhão de mudança. A Imprensa tentava trabalhar, mas, imprensada, não conseguia colher senão boatos desencontrados. Em meio à balbúrdia dígna de um pregão da Bovespa, alguém teria dito que a televisão apontava novos focos em vários pontos da cidade. Era a chalaça. O riso como antídoto à lágrima que, se derramada, inundaria a última cidadela já bastante fustigada: um fiapo de esperança estremecida. E como os acontecimentos pipocavam simultaneamente, até a polícia passou a fazer coro com os repórteres, reclamando dos desconhecidos organizadores que, por não divulgarem previamente a agenda da programação, eram os únicos responsáveis pelo salseiro instalado.

No bar do Costa, sentado num canto, Tuninho vociferava que nem o seu homônimo – vulgo Malvadeza – por conta dos grampos baianos que não pegaram na cabeça de ninguém.

Tem que matar! Tem que esfolar! Berrava a plenos pulmões.

As poucas cenas televisionadas eram acompanhadas ao estilo “Felipão” à beira do gramado dando instruções, não ao time, mas a um grupo de extermínio. Mas é assim mesmo o desvairado Tuninho. Todos sabem que ele não tem lá muito bem os pés no chão. A cena de uma senhora, coitada, sendo alborroada por um pivete, fê-lo virar um Herodes. A solução estava no enfrentamento: subir os morros, invadir as favelas e abater a todos como cães danados. Pobre amigo que tem três pontes de safena! O que o desmando público, a corrupção policial e a segregação social não fazem de um homem!

Enquanto isso, recluso em seu palácio minado, o Menino Balofinho – versão gótico – grotesca do genial guri do Ziraldo – tem faniquitos e esganiça feito gralha roufenha:

Vai Ter volta! Vai Ter volta!

Porém, tarde demais. Balofinho não sabe, ou finge, que a aparente calma é só a trégua entre um round e o seguinte, quando não se tem no ringue a autoridade desejada. E desse jeito, nada nos resta senão fechar os ouvidos para a torcida inimiga que tripudia de todos com uma musiquinha exemplar: “ a, e, i, o, u, dabliú, dabliú, na cartilha do Dudu, Dudu!”.

No entanto, deram um jeito de apagar o Dudu, mas a lembrança do casal encastelado, isso jamais.

Aldo Guerra

Vila Isabel, RJ.

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 07/12/2006
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