Fragmentos universitários

Wilson Correia

“A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo” (Merleau-Ponty).

Qual é a situação da juventude universitária com relação aos assuntos da política atualmente? Sirvo-me de alguns fragmentos de falas de indivíduos universitários pesquisados por Almeida (2004)* para tentar alinhavar um apaziguamento do meu próprio espírito.

Conta o Sujeito 6 (S6): “... fico observando ... os meninos que eu vejo de 17, 18 anos não estudam e não trabalham. Muitos ... mexem com droga... estão super infantis... não... amadureceram... o problema é tanto da família como social”.

Afirma o S1: “A pessoa tá indo bem num emprego, todo mundo quer um emprego que ganhe dinheiro para se sustentar... é isto que todo mundo pensa, que todo mundo quer”.

Analisa o S2: “O capitalismo moderno incute nas pessoas um individualismo latente, hoje os ideais coletivos são considerados retrógrados e ‘demodê’”.

Confessa o S3: “Tenho que me conformar ... Os ideais vão pro saco... quem sabe um dia...”.

Garante o S5: “[Ideais] Individuais: constituir família, bom emprego para ter estabilidade financeira e uma vida com conforto”.

O sujeito 6 acha: “Acho que os jovens hoje não têm muito ideal ... são tão alienados que acaba aceitando tudo o que é imposto”.

O S9 se lembra do afeto: “São [ideais] individuais: vencer sem se importar com as conseqüências, ganhar dinheiro e ter muitas namoradas”.

O S2 percebe: “... este fato fica claro quando percebemos que os jovens hoje dão mais valor a uma profissão que lhe dê um retorno material”.

O S4 constata: “[Na sociedade falta] solidariedade, educação, saúde. Relações afetivas mercantilizadas já desde a infância ‘... se eu der este brinquedo, você gosta de mim?’ Apatia perante situações que dizem respeito à sociedade”.

O S9 vê o fatalismo: “Quando você é jovem, sonha que pode mudar o mundo, aí fica velho vê que não é tão fácil e enquadra-se ao sistema. A juventude jamais desempenhará no Brasil um papel de contestação“.

O S6 volta a achar: “... acho que eles não têm consciência do seu papel”.

Denuncia o S1: “Acomodados, sim. Acho assim, tá bom prá eles, então ‘deixa quieto’”.

O S3 relata: “... parece que as pessoas estão anestesiadas”.

O S9 admite: “(participação) nenhuma, porque o jovem de hoje em dia não se preocupa com o que acontece a seu redor, preocupa-se apenas com o que acontece a si”.

Resigna-se o S6: “Eu vejo em cursos no nosso campus, que a turma leva os cursos nas coxas, fazem por fazer, sem nenhum compromisso”.

O S1 verbaliza: “Aqui mesmo quando eles vêm falar este tipo de coisa (política), o pessoal fica meio que... não se interessa muito, não tem nem procura muito contato. Se aqui fica vazio, lá fora ninguém se interessa”.

Aí o caldo de “cultura” que, no texto, remete a termos como: “aspectos complexos”, “maneira acrítica”, “‘lugares comuns’”, “‘nervo ético’”, “‘desbunde”, “apatia’”, “‘salve-se quem puder’”, “afirmações ... contraditórias”, “críticas em abstrato”, “visão funcionalista”, “senso comum”, “internalização de regras sociais”, “inculcamento de normas e padrões estabelecidos”, “análise que engessa”, “desinteresse”, “individualismo”, “patologia social” “desqualificando ... ações propositivas”.

Texto de fragmentos porque fragmentada parece revelar-se a mundividência de nossos universitários. “Espíritos confusos”, como diria Milton Santos.

Fragmentos que fragmentam a realidade. Falam do emprego, mas onde fica a análise do emprego do emprego?

Há emprego que não dependa da política? Há qualidade de vida individual onde não se percebe qualidade social para a existência?

As bolhas da conjuntura tomaram em definitivo as raízes das estruturas?

Nada a dizer sobre a história, nosso tempo, a economia, a política e a cultura?

A energia gasta na apatia não poderia ser empregada na rebeldia?

Por que o fatalismo onde e quando cabe o protagonismo?

Batalham por uma ciência sem consciência?

Essa é a sociedade do conhecimento?

Informação pela informação é que é o nosso quinhão?

Onde foi parar a dimensão coletiva da vida? Ela está reclusa no egotismo narcísico da esfera idiotizante individual?

Será que é possível ser individualista sem que isso se dê em relação à totalidade do corpo social?

Que visibilidade é essa que pesca a agulha e se esquece do palheiro?

Um emprego rentável (para o capital) é tudo o que merece um cidadão?

Políticas assistencialistas (do sistema) é o teto do que se pode fazer em respeito à equidade em face da coisa pública e do bem comum?

Em tempos de críticas proscritas, de “silêncio dos intelectuais”, de aparelhamento partidário disso e daquilo e de legitimidade dos braços cruzados como uma expressão política legítima individual, nossas complexidades e contradições tendem mesmo à expansão.

Pobre de mim que me contento em viver em uma sociedade que não ajudo a construir. Que penso que a sociedade se formará por si mesma. Que nada e tudo não são comigo.

Pobre de mim, que faço guerra de travesseiro e não formo opinião sobre a mais recente decisão do governo (veja vídeo sobre o evento mundial: http://vimeo.com/26500661).

Cadê o tempo do “brincar, brincar”, “estudar, estudar”, “trabalhar, trabalhar”? Essa juventude obtusa é fruto da escola caduca, a qual, negligenciando o aspecto trabalhoso do aprender, incute nas pessoas a ideia de aprendizagem como sinônimo de atividade prazerosa para todas as idades?

Se é verdade que ninguém dá o que não tem, parece hora de a sociedade (nós, em última instância), levarmos ao tribunal da razão o que estamos oferecendo às gerações mais novas.

Sem funcionalismo algum, parece certeiro o ditado popular, assegurando-nos que “Filho de peixe” não cresce como águia.

E haja olho para contar as nossas contradições e catar nossos fragmentos.

Ah! Se pudéssemos reaprender a ver o mundo, se reaprendêssemos a agir sobre ele...

* ALMEIDA, L. L. - A juventude e suas representações - Revista da UFG, v. 6, n. 1, jun. 2004. Disponível em: < http://www.proec.ufg.br/revista_ufg/juventude/representa.html>. Acesso em: 15.8.2011.