Micromanual da conquista amorosa

Wilson Correia

"Pois, sobretudo, [na paixão] resulta no indivíduo uma espécie de interação ébria e exuberante das mais altas energias criadoras do seu corpo e a exaltação mais alta da alma. Enquanto nossa consciência se interessa vagamente, habitualmente, por nossa vida psíquica, como por um mundo que conhecemos mal e que controlamos ainda pior, que ao que parece forma um com ela, mas com o qual normalmente ela se entende mal -eis que se produz subitamente entre eles uma tal comunhão de enervação que todos os seus desejos, todas as suas aspirações se inflamam ao mesmo tempo" (ANDREAS-SALOMÉ, Lou ‘apud’ FERREIRA, Luzilá Gonçalves. ‘Lou Andreas-Salomé: a paixão viva’. In: NOVAES, Adauto (Org.). ”Os sentidos da paixão’. São Paulo: Cia das Letras, 1987, p. 359).

Chega um momento na vida em que a paixão é troco. É a mais-emoção que não se espera porque protegida pelo Deus Acaso –ainda que, insistentemente, ansiamos pelas gratificações que esse estado emotivo tem o poder de oferecer, seja na forma de prazer e contentamento seja ao modo de plenitude, mediante encontro integrativo de duas diferenças. Se pertence ao Acaso, logo não está sob meu poder, nem de ninguém.

Quando se chega a esse momento da vida, o que se espera é mesmo um encontro mais “pão-pão, queijo-queijo”: calmo, centrado, sereno e dado ao amor da impermanência da permanência a dois. Se esse for o caso, nada, pois, de efervescência adolescente que só sabe dizer “Quero porque quero”. A calma pede cerimônia!

“Você em sua casa, eu na minha” não tem mais o furor romântico da criação artificial de situações para a “saudade” inundar, mas a da que possibilita observar a necessidade da individuação, processo que exige reverência à intimidade de cada um, ao silencio de cada qual, ao “modus vivendi” particular. Qualquer coisa que fuja desse “script” pode parecer ansiedade que espanta, em vez de conquistar.

Somos inteiros e chegamos a essa consciência. Somos estáveis na instabilidade da vida, relativamente independentes e autodeterminados. Se, no processo da conquista, você me aparecer com o discurso rançoso da “alma gêmea”, “panela para a tampa” e “cadeirão para a feijoada”, juro que vou levar um tremendo susto. Melhor é mostrar que alcançamos um patamar existencial em que o único interesse visa à produção de afetos e emoções que podem e devem ser compartilhadas. É esse tipo de coisa que não se produz sozinho. É esse tipo de experiência que exige o par.

Se ela gosta e frequenta certos “amigos” e você vai com ela cultivar esses “belos seres humanos”, mas, depois, longe dos “queridos”, você esculhamba toda a patota visitada, creia, o desconforto dela será fatal. Choque cultural é encontro de diferenças e quem não sabe conviver com diferenças já começa defraudando o próprio encontro entre um homem e uma mulher. É deselegante deslegitimar o mundo dela, uma vez que esse universo foi o único que ela teve condições subjetivas e objetivas de construir para si.

Estar por perto, visitar e estar junto é tudo de bom. É isso ao que o enlevo do “pão-pão, queijo-queijo” convida, uma vez que não se conta com o arrebatamento vertiginoso da paixão cega e que rifa liberdade e responsabilidade de uma só vez. Contudo, criar situações artificiais para apenas forjar o encontro, nada feito! Adultos são naturais.

Nesse pacote aí, ainda há espaço para não exagerar em nada. Há certas desmedidas e exageros que tolhem, no melhor sentido da palavra. Aliás, palavra, num processo de conquista, torna-se algo demasiadamente observado e merece zelo. Se ontem você disse “A” e, hoje, sob o mesmo aspecto e perspectiva, você diz “B”, creia, seu processo de conquista está sendo um fiasco. Nem sonhe que ele irá vingar, virar ou acontecer.

O melhor é ser natural em tudo. Coerente até onde for possível. Uma inteireza impermanente que condiciona à entrega ao momento bom. Ao contrário disso, a vida mostra que quem se põe a correr é o próprio encontro. E olhe que, nesse caso, ele se move à velocidade da luz.