Vida “morrível”

Wilson Correia

Na raiz mais funda dos fundamentos de tudo, cada um luta na existência como se fosse único no mundo. Os outros são passantes. Não há controle possível para nada. Até a vida, o único bem seguramente pessoal, não pertence a quem nela viaja. No fundo, cada um é um itinerante. Passa pelos outros que lhe são passantes. E esse advir é contínuo. Até a cova.

O vir-a-ser é a nossa morada e aconchego, terreiro e quintal, fazenda e jardim. Somos movimento. Dinamicidade. Pluralidade. Multiformidades. Aí a complexidade. Único, cada um é uma multidão. É ontem, hoje e amanhã. É nos seus e com os seus. Constitui sociedade. Faz-se multidão. É vida da vida em mil lados de sombra e luz. Mas é, sobretudo e fundamentalmente, finitude, inacabamento, impermanência.

Parece que a vida sabe-se terminal. Finita. Inconclusa. Sempre precoce. Fora de hora e de lugar. Fora do tempo, do espaço. Fora de mim. Por isso a vida mesma nos lança, únicos, na pluralidade. Preocupar-se com os outros é preocupar-se consigo mesmo. Aí a razão de a política de cara limpa ser essa que se projeta no egoísmo sábio de visar à floresta, e não somente à árvore que sou e experimento do acordar ao voltar a dormir.

Política é ato de amor. Desapego para o saudável apego de si. E o contrário do desapego e do amor não é a mesquinhez, nem o ódio, mas a indiferença. É por isso que estou a me perguntar: para levar adiante a minha vida, quantos caixões com defuntos dentro tenho que carregar? O peso dos indiferentes não é tanto o da indiferença, mas o peso do desamor, essa forma de se morrer e continuar a trocar passos em meio à multidão –sou eu a única testemunha desse cemitério de vivos?