Três mães em um conto de natal



      A manhã estava radiante, convidava a um gostoso banho de piscina. Minha esposa e o meu filho foram mais espertos e já brincavam dentro d’água; vendo a festa que eles faziam resolvi, então, fazer companhia a eles, imediatamente pus um calção de banho e entrei na água; nos divertimos um bom tempo.

      A nossa alegria foi interrompida pela algaravia que um bando de pardais fazia próximo à edicula, nos fundos do quintal. Especialmente um pardal fazia mais barulho que os demais, teve momentos que dava vôos rasantes bem em frente à porta, noutros, ela, viemos a saber pouco depois que era uma pardaloca, agarrou-se à quina da porta e chilreava sem parar, olhando para dentro do quarto de despejo. Fiquei pasmo, nunca tinha visto uma demonstração deste tipo que, para mim, era de puro exibicionismo. Ao contrário de mim, minha mulher fica pensativa e diz: 

----- Que estranho eles fazerem todo este barulho, estão passando tão perto de nós e não ficam assustados conosco.
----- Está fazendo um dia lindo de sol, quem sabe eles estão festejando....
----- Isto nunca aconteceu nos outros “dias lindos de sol”, como você diz.

     Achava em princípio que, os pardais, em especial a fêmea, estavam fazendo todo aquele alvoroço por que fosse do instinto deles agirem daquela forma, talvez estivessem felizes. Fiquei deveras maravilhado com aquela demonstração dos mais diversos gorjeios, apesar de no fundo achar que eles estavam agitados de mais da conta.

     Nesse momento entra em ação o instinto maternal de minha mulher, deu um pulo e sai às pressas da piscina, entra na edícula, daí a pouco escuto um grito de alegria dela:

----- Eu bem sabia que havia algo de estranho com estes pardais, olha só o que estava lá dentro. 

     Toda sorridente ela exibe o seu troféu, um filhote de pardal. Quando observamos melhor o filhotinho, descobrimos que ele estava com a asa machucada e um pouco debilitado. Foi quando pensei na mãe dele, rapidamente peguei a escada e coloquei o pardalzinho em cima da cobertura do quarto de despejo, aí ficamos observando o que aconteceria. A fêmea, que deveria ser a mãe do filhotinho, foi a primeira a chegar perto, um pouco depois era a que continuava a mais inquieta, ela, postada no beiral da edícula e olhando para nós, chilreava sem parar. 

Aproveitei para fazer a seguinte observação:
---- Acho que ela está agradecendo ou está dando uma bronca em alguém ou está lamentando pelo que aconteceu.
Minha esposa, então, contou-me um fato inusitado. Ela disse:
---- Quando entrei no quarto vi a nossa gata, que tem o nome de Esmeralda, abaixada imóvel, com o queixo apoiado sobre as patas dianteiras e com o olhar fixo num ponto embaixo de um resto de antena de televisão, ao aproximar-me para ver o que podia ser, ela se assustou e saiu de perto, foi aí que ví o pardalzinho. 

---- Será que a Esmeralda feriu o filhote?
---- Aí é que é estranho, ela podia tê-lo abocanhado de um golpe só, mas não, ela estava apenas quieta, olhando-o.

     Nesta altura da conversa é bom explicar que, a Esmeralda, a nossa gata, recentemente tornou-se mãe de um lindo gatinho. Meu filho deu-lhe o nome de Kyara, ao saber que era fêmea. Hoje faz exatos oito dias de nascida. A Kyara é uma bela mistura de seus pais, tem a cor preta cobrindo a cabeça e no resto do corpo um dégradé de cinzas que termina na cauda toda preta, e uns lindos olhos azuis. Enquanto a mãe é toda preta, tendo umas botas brancas e de olhos verdes, o pai é todo branco de olhos azuis. Segundo a observação jocosa do meu sogro, o pai da Kyara é alemão. 

Falei então para minha mulher:
---- O instinto materno da Esmeralda está bem vivo, acho que ela quis proteger o pardalzinho...
---- Também acho...
---- Se não é isto, como se explica o porquê dela não o atacar?
---- Pois é...
      Nesse instante meu filho chama a mãe para ver algo dentro de casa e, ela vai atendê-lo.

      Deito-me de volta na piscina e fico a pensar em todo aquele acontecimento. Na aflição da mãe pardal, na proteção da mãe gata e no instinto e na empatia da mãe do meu filho em sentir que por trás daquele chilreado todo estava, não o cântico de alegria de um passarinho, mas o grito de socorro de uma mãe pardal em querer resgatar seu filhotinho. Depois de tudo, as três mães continuaram seus afazeres; as duas últimas não se preocuparam em exigir o recebimento das honras, acharam que fizeram sua obrigação. Para a primeira tudo não passou de um tremendo susto. 

      Hoje tive uma estranha e agradável sensação, será que neste mundo todo existe um ser tão especial ou melhor do que a mãe? Eu creio que não. Em qualquer forma, quer sendo ave, animal de grande ou pequeno porte, peixe, inseto ou na forma humana, pareceu-me que elas todas tem o mesmo instinto ou melhor, a mesma virtude em comum: o amor. 

     Somente um Deus sábio, criador e redentor poderia aquinhoar a mais bela das criaturas com a mais bela das virtudes. 

     Este fato ocorreu há poucos dias do natal. Nesta época o espírito de dar-se e doar-se é mais intenso, ele está impregnado no ar, no rosto das pessoas, nas casas, nas escolas, nas ruas, nas lojas, em toda parte. O espírito do natal é a canção de amor de um Deus que fez-se criança, para salvar a raça humana de sua condição de pecado, de seu espírito de orgulho destrutivo, para um alto nível de compreensão e boa vontade entre os homens. Pena que só é intensamente lembrado num período do ano.

     Mas neste conto o natal é apenas um detalhe. Em qualquer ocasião creio que estas três mães, como todas as mães, agem da mesma forma, elas são mães em cada dia do ano. Elas seguem o exemplo de Jesus, o nosso Pai em cada dia do ano

São Paulo, SP, 15/12/2000