Ah! A Minha Infância

Os jovens, neste século XXI, dispõem de uma liberdade não só de ir e vir como de expressão, inimagináveis no meu tempo. Serão mais felizes? Pergunta duvidosa, porque qualquer resposta deverá considerar os desejos de cada um, limitados a oportunidades, e estas sempre sujeitas à classe social ou país de nasccimento, por exemplo.

E a infância? É certo que éramos mais livres, sendo esta idéia uma peça fundamental para o contentamento com o dia-a-dia. Só para fugir à idéia acima, da tal felicidade. Neste caso refiro-me àquelas cuja situação dos pais lhes permitiam ser crianças, sem usá-los em trabalho infantil, ou coisa assim.

E de onde esta certeza? Exatamente da liberdade que desfrutávamos. Na minha Rua, tínhamos brincadeiras em grupo com pequenas transgressões: apitávamos as campainhas das casas e nos escondermos em algum desvão, rindo à socapa da indignação da dona de casa escolhida. E lembro quando meu irmão e um amigo atiravam espoletas perto das pessoas que passavam na rua, com o mesmo fim e deslavado deleite.

Andávamos soltos pela vizinhança, com guerra entre os grupos, sem a violência das gangues de hoje. E as brincadeiras tomavam a tarde toda, após a lição feita sob a vigilância materna. Anoitecia e rel00utávamos então em voltar para casa. Até nos procurarem com o argumento: “Amanhã tem mais”.

Havia momentos difíceis, as tais doenças da infância e os remédios: catapora, sarampo e vermes a serem expelidos, por exemplo. Para os últimos, eu tomei o vinho Sabiá com a garrafa cheia de ervas amargas, enterrada durante uma semana no quintal. Alguém faz idéia de quão ruim era a tal poção? E a Emulsão de Scott, para que era mesmo?

Outro terror era a medicina caseira para febres. Minha mãe entendia que era o momento de repouso sob várias cobertas, suando a mais não poder, até a chegada do pediatra, que naquela época atendia em casa. Lembro-me de uma frase sua: A senhora quer fritar ou cozinhar sua filha? E sempre recitava alimentação com gosto de cabo de guarda-chuva rachado!

Quando eu melhorava, recebia como brinquedo uma caixa onde minha mãe guardava suas poucas jóias e bijuterias. Eu adorava me adornar com elas e, segundo soube mais tarde, brincava sozinha na cama de casal de meus pais, sempre cantando.

Como fazíamos barulho! Ainda hoje parece que ouço nosso o alarido, tomando banho de chuva no verão, quando pilhávamos uma mangueira no pátio do palacete de dona Lilá, família bem posta, com automóvel, um luxo naqueles dias, e sua garagem ao lado do jardim.

Nosso medo e susto era o tal Brandão, que segundo diziam, raptava crianças e quando alguém gritava: “Lá vem ele”, sabíamos que era o dito cujo. Corríamos, então, um para cada lado, deixando de ver que era um pobre coitado, entregador de marmitas, trôpego e meio caolho. Só tive coragem de encará-lo quando um de nós descobriu o engodo em que caíamos todos os dias. Foi como a descoberta de que a cegonha não existia e Papai Noel, não passava um vizinho bonachão!

Porque este gosto por memórias de infância, com situações pseudocômicas, uma levando a outra? Creio não haver nada de mal nisso, a não ser quando enveredarmos pelas tristezas da vida, doenças e coisas assim. Só há uma regra para tais casos, se for para relatar uma dificuldade vivida, que seja para fazer uma boa piada a respeito. Não concordam?

Marluiza
Enviado por Marluiza em 29/09/2011
Reeditado em 10/10/2011
Código do texto: T3248179