O SEM TETO AMANTE DE FILOSOFIA E DE POESIA

À saída do prédio da academia estava ele ali, sentado, e quando me viu levantou-se lesto, dirigindo-me a palavra, e sorridente. De imediato pensei, é para melhorar a gorjeta pela “guarda” do carro. Condenável preconceito o nosso, de prejulgar as pessoas, especialmente se humildes. –Então o senhor é da academia de letras, e foi fazendo perguntas com algumas respostas precon- cebidas tecendo paralelos entre filosofia e poesia, ao mesmo tempo que me incitava, e esperava minha resposta e opinião, o que me deixou deveras impres sionado e não menos intrigado, já que se tratava de um sem abrigo, um mora-dor de rua.

Faço deste caso analogia com a flor do lótus que, em meio às águas turbas do pântano, também ela tem sua beleza pura, e seu mistério.

Fez questão de me acompanhar até ao carro. Para ele aquele momento seria um momento raro, talvez único, o poder dialogar com alguém que ele na sua humilde condição, achava importante, pois tratava com alguém que no seu en-tender poderia dar respostas para algumas de suas dúvidas.

Caminhando a meu lado me aconselhava a tomar cuidados, esclareça-se que era noite. Confesso que fiquei um pouco desconfiado destes seus desvelos para alguém que ele acabava de conhecer. E mais foi dizendo: não precisa de me dar dinheiro, o rapaz que ali estava à hora em que o senhor estacionou o seu carro, já foi embora. À maneira que ia discorrendo nosso inusitado diálogo, intuí que aquele jovem, talvez com vinte e cinco anos de idade era alguém mui-to carente, e especialmente estava precisando falar com alguém que não fosse um daqueles seus companheiros, mergulhados na ignorância daquele submun-do ao qual ele também pertencia.

Este é sem dúvida um caso para profunda reflexão, e merecedor de um ebate.

Em todo o caminho, de volta à minha casa, confesso que não me senti nada bem comigo mesmo por não ter perguntado por que estava ele naquela con-dição de morador de rua, o que por certo, não mudaria a sua situação, mas quem sabe um conselho meu não teria feito alguma diferença? Embora eu não me sinta um culpado desalmado, pelas misérias ou infortúnios do meu seme-lhante, também sei que eu como qualquer um de nós quando se omite em cer-tas situações, tornamo-nos cúmplices, e desta maneira passamos a carregar também nossa quota-parte de culpa.

Quando penso na grande parcela para não dizer, na maioria dos políticos que nada fazem para resolver semelhantes anomalias de uma sociedade tão cheia de desigualdades, mas ao contrário, só legislam em causa própria, enterrados na corrupção até ao pescoço, não posso entender como estes senhores tem estômago para digerir tão indigestos repastos.

Quem me diz que se este sem abrigo, assim como tantos outros, também

filhos da mesma sorte madrasta, se lhes tivessem dado oportunidade de

educação, e não falo de um curso superior de alguma universidade, porque há outras maneiras, profissões não menos dignas para a realização pessoal de qualquer ser humano. Este sem teto, como tantos outros haverá, terão valores que por certo contribuiriam para a construção de uma sociedade mais justa e digna? Tanta gente há sem um mínimo de vocação para a carreira que esco-lheram que lotam um sem número de faculdades, só porque seus pais resol-veram que hão de ser doutores, em detrimento de muitos que, com certeza, melhor figura fariam se tal oportunidade lhes fosse dada.

Tomo aqui emprestadas palavras que não são minhas: “Não basta dar o peixe, mais importante que dar o peixe a alguém com fome, é ensiná-lo a pescar”.

Completo, ainda que haja pobres de barriga cheia, essas mesmas barrigas não deixarão de ser barrigas de pobres. Esta poderá ser uma metáfora, ou não, depende do ponto de vista.

setembro 2011

Eduardo de Almeida Farias
Enviado por Eduardo de Almeida Farias em 13/10/2011
Reeditado em 28/12/2011
Código do texto: T3274454