Relato de um docente: IÊ CAMARÁ! A capoeira no ensino de História do Brasil

Durante o 3º trimestre a turma da 7º série do C.E.M.Pastor Dohms da unidade Torres/RS está focada no estudo sobre a formação étnico-cultural do Brasil, nas aulas do professor Leonardo Gedeon no ensino da disciplina de Ciências Humanas. Como componente curricular afro centrado a Capoeira foi utilizada como ferramenta pedagógica para a compreensão do processo de escravidão africana no Brasil Colonial, em consonância com a Lei 10.639/2003 que dispõe as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico - Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Primeiramente, os alunos realizaram uma pesquisa bibliográfica (obedecendo as normas da ABNT) sobre aspectos da escravidão na África; tráfico negreiro e as condições de vida dos escravos na travessia transatlântica; o cotidiano dos africanos escravizados no Brasil; a luta de resistência dos escravos e quilombolas: a Capoeira; Zumbi e o Quilombo dos Palmares; a Cultura Afro-brasileira; o movimento negro e a legislação, entre outros assuntos relacionados.

Personalidades africanas e afrodescendentes foram exploradas como objetos de pesquisa com o auxílio da internet (navegação orientada por sites específicos relacionados com o conteúdo proposto), observando e destacando as ações e contribuições de cada um no processo de consolidação do movimento negro organizado e na difusão da cultura afro-brasileira e na reivindicação de direitos sociais, seja no campo da política, da literatura, da música, dos esportes. Alguns nomes destacados foram: Luther King, Nelson Mandela, João do “Pulo”, Pelé, Marina Silva, Haile Selassie, Malcon – X, Abu Jamal, Marcus Garvey, Mestre Pastinha, Milton Santos, Solano Trindade, Leci Brandão, Zumbi e outras personalidades. Outro passo fundamental da pesquisa é sua divulgação e socialização dos resultados alcançados, que ocorreu numa apresentação em sala de aula de cada grupo (alunos organizados em duplas e trios) suscitando em uma rica discussão a respeito dos conteúdos abordados. Na sala de multimídia foi apresentado o documentário O Povo Brasileiro – Brasil Afro baseado nas pesquisas sociológicas e antropológicas do intelectual Darcy Ribeiro.

A capoeiragem foi abordada em dois momentos distintos: a capoeira primitiva desenvolvida no cotidiano das senzalas e utilizada pelos escravos no período da escravidão e a capoeira “moderna”, difundida como Patrimônio Cultural Brasileiro com características marcantes do folclore, dança, música e luta. A garotada teve oportunidade de conhecer a respeito dos elementos primordiais da Capoeira Angola e suas raízes culturais propagadas por Mestre Pastinha e sobre a Capoeira Regional desenvolvida e difundida por Mestre Bimba. Uma breve abordagem acerca da vida de alguns mestres que se destacaram na história da capoeira trouxe elementos para a reflexão sobre formação da cidadania, desenvolvimento da educação, respeito mútuo e valores humanos. Muitos mestres de capoeira brasileiros atuam em diversos países da Europa, América do Norte, África, Japão e foi consensual a turma da 7º série considerar estes mestres legítimos embaixadores da cultura brasileira pelo mundo afora. Os instrumentos de percussão que formam uma bateria para organizar e dar musicalidade, ritmo, ginga e vida para as rodas de capoeira receberam devida apreciação pelos alunos. O Berimbau serviu como “fio condutor” para uma contextualização da opressão social vivida pelos habitantes das senzalas do Brasil Colonial através de sua sonoridade simples, encantadora e original como um instrumento que representa a capoeira em todos os seus aspectos simbólicos.

Na quadra esportiva da escola teve uma roda de capoeira com a turma num belo momento de integração e muita alegria. Nas ladainhas e corridos entoados na roda, os alunos compreenderam a dimensão das lições transmitidas no jogo da capoeira, como exemplifica estes fragmentos:

“ O que é o berimbau? Uma cabaça, um arame, um pedaço de pau...”

“Trabalha negro escravo, corta cana no canavial:

Corta cana, corta cana, corta cana... no canavial.”

“... na roda da capoeira,

todo mundo tem seu valor,

saber respeitar um aluno quanto mais a um professor...”

“... o mundo pode dar voltas, pois volta o mundo dá...

não existe uma rasteira que possa lhe derrubar, fui guerreiro da senzala e tem

força o seu cantar...”

“Ê Maior é Deus! Ê Maior é Deus, Camará!

Ê Viva meu Mestre! Ê Viva meu Mestre, Camará!

Ê quem me ensinou! Ê quem me ensinou Camará!”

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