AMOR DE AVÓ

Escrevi este texto a um ano atrás mais ou menos.

Nesta semana, descobrimos que minha avó está muito doente.

Talvez ela não permaneça conosco por muito tempo. Resolvi revisar e postar este texto em sua homenagem.

...

Fui visitar minha avó no fim de semana. Ela mora em outra cidade. Fazia tempo que não via a velhinha magricela e simpática. Durante o percurso comecei a lembrar da época em que ela fazia aquele pão colonial delicioso e passava uma camada enorme de doce de figo. Lembrei do balanço feito de pneu velho e do dia em que ela me ensinou a tirar leite de vaca. Quando acabei minha viagem mental, percebi que estava também no final da minha viagem rodoviária.

Cheguei lá e vi o mesmo portão de madeira desacorrentado. Está igual à cerca de 30 anos.

Minha avó é que está bem mais velha. Porém, nem mesmo deu ‘oi’ e já foi avisando que o pão estava sendo assado e que mandara fazer um frango assado, do jeito que eu gostava.

A sala de estar estava intacta também. O sofá velho, rasgado e ‘verdinho’ continuava com o aspecto de deposito de almofadas, cobertores e capinhas de adorno. De tanto querer ser confortável, de tão emperiquitado, se tornou dificílimo encontrar um espaço para sentar nele. Ou talvez meu bumbum tenha aumentado de tamanho.

Olhei em volta, tentando me ambientar ao lugar escuro, e não pude deixar de perceber o Buda na estante, os dois elefantes brancos de porcelana, a cortina empoeirada, a maquina de costura preta Singer como artefato de decoração, um abajur quebrado, a Bíblia aberta no mesmo Salmo desde a ultima vez que a vi, uma foto pálida do meu avô tocando sanfona e uma vitrola que parece uma peça de museu.

Enquanto eu esticava o braço para pegar a foto empoeirada do meu avô, ouvi minha velha e atenciosa avó gritar: “separei uma sacola de laranjas pra você levar...”

Neste ambiente, acabei sentindo muita paz. Mais paz do que se eu estivesse meditando. Foi a paz da infância que senti de novo. Coisa boba. Talvez, nem tanto.

Amor de avó é mais tolerante do que amor de pai ou mãe. Qualquer travessura do neto é minimizada. Os pais castigam. Os avós racionalizam o erro.

Às vezes, tenho a sensação que preferia ser filho da minha avó.

Martins Filho
Enviado por Martins Filho em 13/07/2005
Código do texto: T33764