O pica-pau

     Meio-dia em ponto. Sol a pino. Casa de praia. A paisagem tremula com o calor sufocante. Na cerca do terreno vizinho percebo uma sombra saltitante e furtiva que escala compassadamente um tronco inerme. Fico surpreso ao constatar que é um pica-pau! Sim, um pica-pau de cabeça vermelha igualzinho ao dos antigos desenhos infantis da televisão. Lembram? Aquele que tinha um canto irritante feito uma gargalhada de gago? Pois bem, ei-lo à minha frente, em pena e osso, escalando o mourão e bicando a madeira freneticamente à caça de vermes e larvas. É uma ave belíssima. Imaginava-a menor, mas é do tamanho de um papagaio médio. Excelente trepadora, utiliza a sua cauda de penas duras apoiando-as no tronco, formando um tripé junto às patas curtas e fortes . A cabeça, que realmente tem uma grande área de penas vermelhas no cocuruto, impele o bico que martela a casca apodrecida dos paus da cerca. Toc-toc-toc!...Toc-toc-toc! É o barulho que faz, quebrando o silêncio do local. É uma visão única! Um ser que entendo em fase de extinção por essas bandas, arredio e reservado, me aparece assim como um presente refletindo as suas cores na minha retina.

     Chamo depressa minha esposa e filho para que juntos possamos usufruir dessa dádiva da natureza e sermos testemunhas da existência dessa criatura tão maravilhosa, -Traz o binóculo, filho! Peço o instrumento, ainda extasiado, e com a ajuda das lentes admiramos agora plenamente a riqueza plástica desse espécime raro. Maldigo o fato de não estarmos com uma câmera de zoom potente à mão. Mais que depressa corro a buscar meu material de desenho e, quando vou iniciar um esboço, ele já não se encontra lá. Fugiu tão de repente quanto surgiu e nos deixou uma lembrança viva e forte, indelevelmente marcada em nossas mentes.

     Finalizei o trabalho de memória utilizando pastéis secos. Minha mulher disse que ficou bom. Uma coisa eu tenho certeza: não captei nem um décimo da beleza que contemplei; mas achei que devia deixar algo registrado para lembrar aquela aparição tão bem vinda naquele dia mais que quente.

Edmar Claudio
Enviado por Edmar Claudio em 07/01/2007
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