Experiência subnatural
Wilson Correia
Dez da manhã. Em frente aos Correios.
Fechados? Não acredito! Logo nesta época do ano, quando as pessoas querem permutar a fisicalidade da vida? Bora zanzar.
Banca de revista. Aberta. Capa. Pirataria tucana. Caramba! Que país de doido é esse? A gente nunca sabe das coisas...
Zanza aqui, zanza ali...
Relógio. Onze e poucos. Almoço.
Almoçar e já me livro dessa obrigação.
Restaurante. Tá funcionando normal?
Tá! Só espere um pouquinho.
Espero, de pé.
Senta ali do lado.
O que está acontecendo?
A menina desmaiou.
Já chamou o Samu? Aqui tem Samu?
Tá vindo...
Meu olho atravessa o vidro meio fumê. O homem, a mulher e uma moça sentada formam o triângulo. Há aspersão. Gesticulação. Desmaio amparado de uma segunda criatura. Água benta? Velas e velas naquelas mãos.
Se eu for esperar eles queimarem essas velas todas, hoje não saio daqui.
O dono do restaurante fala tranquilamente ao celular. Termina. Pede pra que eu sente ao lado, de modo a não ver a cena, pela sei lá enésima vez. Agradeço.
Está bom aqui.
Vixi! (só agora o dono vê a segunda desmaiada). A outra também desmaiou.
Gestos, velas, água benta (?), falas, exortação.
Alguém de dentro do restaurante vem. É o terceiro funcionário (as outras duas são as desmaiadas).
Você pode sentar ali (longe)?
Não! Está bem aqui.
Ele volta para dentro do restaurante.
O gesticulador, acendedor de velas e benzedor não se conforma. Diz, corporalmente:
Ele não pode ver. Ele tem de se sentar longe.
O corpo do bruxo para com os gestos e começa a caminhar em minha direção.
Senta ali, apontando um canto, no qual eu não mais veria a cena do desmaio das empregadas do restaurante.
Não! Tô bem aqui.
É que não é bom. Elas estão querendo queimar ele (o dono do restaurante).
Por que tenho que sentar ali? Só estou esperando a comida...
Rapaz... Ele me olha o olho e eu olho no olhar que ele me estende. Minha coragem treme, mas não perco a trilha... Afinal, nunca fui filho de pai assustado.
O quê? O que acontecerá comigo?
Você quer ser mais forte que o tempo? (em fúria).
Não respondo à ameaça, mas penso que o tempo é imponderável e que levará a mim e a ele, o bruxo mediano, cabelo liso amarrado em rabo de cavalo.
... Tensão do mando e da desobediência. Por aqui sempre há um branco mandando nos azuis? Fico pensando... Lembro-me de um curso que fiz sobre técnicas de hipnose e detecto ali a aplicação de coisa semelhante, mas que é usada em nome de seres, divindades e quetais da sobrenaturalidade...
E se eu fizer com o senhor o que o senhor está fazendo com essas pobres coitadas?
...
O curandeiro volta para dentro do estabelecimento e dá continuidade ao rito, à catarse alheia outramente provocada, à missão.
Turrão, permaneço de pé. Olhando, secando, filmando a cena.
Um carro encosta. Abre o som de Roberto Carlos.
... quem sabe menos das coisas, sabe muito mais que eu...
Aceita um copo? Ou é evangélico e não pode beber?
Não. Até posso. Bebo sim. Mas tenho de comer algo antes, senão minha cabeça estoura.
... coisas da vida...
O convite se repete à exaustão: senta...
Sento de olho para as desmaiadas, o bruxo e a acólita.
Empregados outros e o próprio dono do restaurante engrossam a cena. Falam entre si. Exortam. Advertem...
... o importante é que emoções eu vivi...
Enfim, tomamos duas cervejas. O cara que ouvia Roberto paga uma. A outra fica por minha conta. Pago. Desisto de almoço. O clima de estranhamento e outras esquisitices permanecem dando o tom ao ambiente.
Meu caro, ótimo 2012.
Pra você também!
Saio me lembrando:
Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay.
E o poder em nosso país continua essa coisa mais mal distribuída.
Caramba!
Que país de doido é esse?
A gente nunca sabe das coisas...
Ainda bem que o bruxo se mandou e as desmaiadas (des)desmaiaram...
Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay.
E o que é mesmo “queimar”?