Prisioneiros

PRISIONEIROS

Fazia cerca de dez minutos que havia comprado o bilhete para ir à minha cidade natal. Estava no terminal rodoviário. Era véspera de feriado. Ainda faltava cerca de uma hora para a saída do ônibus e já estava entediada com a longa espera. Comprei uma latinha de refrigerante e, por não haver um lugar vazio para sentar-me, aproximei-me da grade que separa a plataforma de embarque, do hall de espera dos passageiros.

Foi diante disso que dei-me conta de como nossas vidas estão cercadas por grades ... Em sua maioria, grades simbólicas. Grades que, às vezes, projetamos do nosso inconsciente.

A primeira grade que nos cerca seria, para mim, o útero materno. É lá que ficamos por nove longos meses... Encolhidinhos, quentinhos e protegidos. Passado esse período, por força da natureza, estamos livres! Livres? Livres que nada! Sabe o que nos aguarda querendo nos abocanhar? U m berço. E qual a principal característica de um berço? Grades! É, mas isso só é possível se nascemos de uma família que tenha um pouquinho de grana para comprar tal objeto. Esqueçamos a grana. Enquanto bebês_ sejamos de qualquer classe social_ sempre estaremos cercados por tais divisórias concretas.

Se formos moradores de uma grande favela e, ainda, de uma família de desempregados, poderemos passar alguns meses dentro de uma caixa de papelão_ caixa essa, encontrada no lixo de algum morador de bairro nobre. Supostamente essa caixa poderia ter sido a embalagem que envolvia o “chiqueirinho” confortável e repleto de brinquedos, para a diversão do filho de um “burguês”. São grades de luxo, mas não deixam de ser grades.

Passados alguns meses começamos a engatinhar, a dar nossos primeiros passos. Quando conseguimos alcançar a porta da fortaleza (porta de nossa casa) e tentamos dela sair, zapt! Fecham - na em nossa cara e lá se vai nossa perspectiva de descobertas e traquinagens. E, dessa forma, vão passando-se os anos num regime de liberdade vigiada... É um abrir e fechar de possibilidades.

Entramos então para o que sonhamos ser o paraíso na terra: a escola. Ledo engano! É lá onde estão presentes a maioria das grades... É a grade curricular a mais resistente de todas. Ela nos aprisiona,rotula,seleciona... Em sala de aula, estamos aprisionados em nossas carteiras, todos enfileiradinhos. À nossa frente está a professora sentada atrás de sua “muralha” _ sua mesa. A mesma parece a fiel reencarnação da deusa ATHENNA e nós seremos simples METECOS.

Na hora do recreio_ que alívio!_ ouvimos o ressoar da sirene (que mais parece o alarme de uma penitenciária) nos avisando que estamos livres, que é hora da diversão, do prazer. Vamos à cantina? Vamos! Lá chegando, nos deparamos com uma muralha posta atrás de outra muralha, com uma concha na mão: a merendeira da escola. A mesma tem a cara de que comeu o que fez e não gostou! O paraíso vai sendo comparado a um cárcere. Seja ele público ou privado.

E assim vão passando-se os anos até chegarmos à adolescência. Estamos livres? Não! Agora é que é prisão! Agora é que são grades! Com as meninas o cuidado é redobrado já que, como diziam nossos avós: “prendam suas cabras que meus bodes estão soltos!” É que as meninas têm algo a perder, já os meninos... Esquecem - se os pais de outras prisões em potencial a que estão sujeitos a maioria dos meninos, que são muito livres: drogas, Dsts, violência...

Com isso chegamos à fase adulta. Profissão_ emprego talvez, já que estamos presos às regras de mercado e da globalização_ relacionamentos amorosos e etc. Encontraremos a alma gêmea? Quando a encontramos o que tratamos logo de fazer? Aprisioná-la! De que forma? Casamento! Chega o tão sonhado dia: o dia do casamento. Ele (o noivo), com uma gravata a prender-lhe o pescoço. Ela (a noiva), presa a um pesado vestido de noiva. Ambos trocam alianças_ “algemas ”_ com o intuito de aprisionar um ao outro.

Feito isso estamos presos a uma nova realidade. Constituímos nossa própria família e repetiremos tal qual manda o figurino, todas as etapas anteriores _regras socialmente impostas. Daremos continuidade ao grande ciclo da vida até chegarmos à velhice. Ser idoso no atual contexto, nesse país, não é fácil. Poderemos ter a sorte de viver com qualidade ou ficarmos presos a uma cama de hospital público ou, ainda, sermos prisioneiros de um asilo no qual seus funcionários assumam a postura de nossos “agentes penitenciários”.

Encerrando-se esse ciclo, estaremos livres. Livres? Ainda não! Será mesmo que a morte nos liberta? Perdemos as amarras. Derrubamos as muralhas. Rompemos as alianças. Nada mais nos aprisiona. Verdade? Não! São tantas as regras para morrer... Papelada, missa, velório, choros e túmulo. Estaremos agora, presos à terra. Dela viemos e a ela retornaremos. Do pó ao pó. Logo acima da sepultura estará gravada uma frase, dizendo tudo que não foi nos dito enquanto, vivos. Alguma frase que ficou presa na garganta. Tudo isso estará muito bem arrumadinho, enfeitado e, talvez, cercado por grades!

Concorda comigo ou estou eu, presa a valores individuais?

Tânia Cristina de Macêdo Costa

Tania Cristina de Macedo Costa
Enviado por Tania Cristina de Macedo Costa em 14/07/2005
Código do texto: T34347